sábado, 23 de outubro de 2010

SIMPLES E BEM EXPLICADO... PONDERE, SEM RADICALIZAR!

Um professor de economia na universidade Texas Tech disse que nunca reprovou um só aluno antes, mas tinha, uma vez, reprovado uma classe inteira. Esta classe em particular tinha insistido que o socialismo realmente funcionava: ninguém seria pobre e ninguém seria rico, tudo seria igualitário e justo. O professor então disse: - Ok, vamos fazer um experimento socialista nesta classe.. Ao invés de dinheiro, usaremos suas notas nas provas. Todas as notas seriam concedidas com base na média da classe, e portanto seriam justas.
Com isso ele quis dizer que todos receberiam as mesmas notas, o que significou que ninguém seria reprovado. Isso também quis dizer, claro, que ninguém receberia um "A"... Depois que a média das primeiras provas foram tiradas, todos receberam "B". Quem estudou com dedicação ficou indignado, mas os alunos que não se esforçaram ficaram muito felizes com o resultado.


Quando a segunda prova foi aplicada, os preguiçosos estudaram ainda menos -eles esperavam tirar notas boas de qualquer forma. Aqueles que tinham estudado bastante no início resolveram que eles também se aproveitariam do trem da alegria das notas. Portanto, agindo contra suas tendências, eles copiaram os hábitos dos preguiçosos. Como um resultado, a segunda média das provas foi "D". Ninguém gostou. Depois da terceira prova, a média geral foi um "F". As notas não voltaram a patamares mais altos, mas as desavenças entre os alunos, buscas por culpados e palavrões passaram a fazer parte da atmosfera das aulas daquela classe. A busca por justiça dos alunos tinha sido a principal causa das reclamações, inimizades e senso de injustiça que passaram a fazer parte daquela turma. No final das contas, ninguém queria mais estudar para beneficiar o resto da sala. Portanto, todos os alunos repetiram o ano... Para total surpresa!!!


O professor explicou que o experimento socialista tinha falhado porque foi baseado no menor esforço possível da parte de seus participantes. Preguiça e mágoas foi seu resultado. Sempre haveria fracasso na situação a partir da qual o experimento tinha começado. "Quando a recompensa é grande", ele disse, "o esforço pelo sucesso é grande,pelo menos para alguns de nós. Mas quando o governo elimina todas as recompensas ao tirar coisas dos outros sem seu consentimento para dar a outros que não batalharam por elas, então o fracasso é inevitável." "É impossível levar o pobre à prosperidade através de legislações que punem os ricos pela prosperidade. Para cada pessoa que recebe sem trabalhar, outra pessoa deve trabalhar
sem receber. O governo não pode dar para alguém aquilo que não tira de outro alguém. Quando metade da população entende a idéia de que não precisa trabalhar, pois a outra metade da população irá sustentá-la, e quando esta outra metade entende que não vale mais a pena trabalhar para sustentar a primeira metade,então chegamos ao começo do fim de uma naçao. É impossível multiplicar riqueza dividindo-a."

domingo, 17 de outubro de 2010

DIA DO PROFESSOR




Exposição MCT - PUCRS - "Sobre o Tempo"

 Recebi esta pergunta: “Por que o senhor defende tanto os professores?” Achei, inicialmente, a pergunta estranha. Afinal, a resposta sempre me parecera óbvia. Depois, comecei a responder para mim mesmo. Embora seja impossível estabelecer objetivamente um ranking de profissões, eu acho o trabalho de professor o mais importante que existe, especialmente o de professor de ensino fundamental e médio, função que nunca exerci, embora tenha chegado a passar num concurso. Sei da importância dos médicos, dos engenheiros, dos padeiros, dos lixeiros e de tantos outros profissionais. Mesmo assim, considero que o professor é a base de tudo.

Por pensar assim, sempre vejo como injustos e até mesmo absurdos os salários pagos aos professores do ensino público. Não consigo aceitar que qualquer jogador de futebol ruim ganhe mais do que um professor. Esperamos dos professores que eles eduquem os nossos filhos, dando-lhe conhecimentos e valores. Depositamos enormes esperanças na atividade desses mestres de poucos recursos e muita perseverança. Cobramos muito. Pagamos pouco. A desculpa é sempre a mesma: os cofres públicos não comportam salários maiores para uma categoria tão numerosa. Essa explicação sempre me parece fácil, simplória, hipócrita e até canalha. É uma maneira de levar as mãos. A culpa não é só dos governantes. É da sociedade. Por que não nos organizamos para pagar melhor os professores? Outro dia, na Rádio Guaíba, o senador Paulo Paim nos garantiu que não existe o rombo da Previdência Social. Autorizou-me a chamar de mentiroso quem afirme o contrário. Não perderei a oportunidade.
De minha parte, farei uma afirmação categórica: a sociedade brasileira pode pegar melhor seus professores. Não o faz por não os valorizar suficientemente. Volta e meia, ouço alguém atacar os professores dizendo algo assim: “Se não estão satisfeitos que mudem de profissão”. Nunca ouço argumento semelhante aplicado aos grandes proprietários que pedem subsídios aos governos. Os professores viraram saco de pancada. Os governantes empurram com a barriga o eterno problema dos baixos salários. Por toda parte, vejo professores trabalhando duro e ganhando pouco. Ser professor é cada vez mais difícil e bonito. Hoje, além de saber passar informações, é preciso saber educar num ambiente de liberdade. Muita gente tem saudades dos castigos corporais e dos métodos medievais nas escolas. São os mesmos que sentem saudade da ditadura militar e que fecham os olhos para a tortura.
Imagino um leitor conservador dizendo-se que estou empilhando clichês ou fazendo demagogia. Num ano eleitoral, eu espero que algum candidato apresente um plano consistente para a educação. Teria meu voto. Toda hora alguém diz que só a educação muda um país. Para que a educação mude um país, no entanto, o país precisa mudar a sua educação. Um bom começo seria pagar melhor os professores. Eu não me importaria de pagar mais impostos para isso. Pagar impostos pode ser muito bom. Faz bem para a sociedade. Não há serviços sem impostos. Jamais. Espero que o novo governo gaúcho pague o piso estabelecido por lei federal aos professores. Será um grande avanço. É uma questão de mérito.


Feliz dia dos professores a todos os mestres do Rio Grande do Sul!
Juremir Machado

sábado, 2 de outubro de 2010

I JORNADA INTERNACIONAL DE DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM




CLASSIFICAÇÕES DE RELEVO DO BRASIL

Uma das primeiras classificações feitas no Brasil sobre o relevo do país começou a ser produzida nos anos 1940 pelo geógrafo e geomorfólogo brasileiro Aroldo de Azevedo. Professor da USP, Aroldo publicou seu trabalho em 1949. A classificação baseava-se no critério da altimetria que dividia o Brasil em planícies, áreas de até 200 metros de altitude, e planaltos, áreas superiores a 200 metros de altitude. Aroldo baseou seu trabalho nas informações produzidas sobre o território até então e em trabalhos de campo onde partiu para a observação direta do relevo. Ele dividiu o Brasil em quatro planaltos e quatro planícies. Os planaltos são: Planalto das Guianas, Planalto Atlântico, Planalto Central, Planalto Meridional. As planícies são: Planície Amazônica, Planície do Pantanal, Planície Costeira, Planície do Pampa ou Gaúcha. Veja o mapa com a classificação de relevo de Aroldo de Azevedo:

No final dos anos 1950 surgiu uma nova classificação de relevo para o Brasil, elaborada pelo geógrafo e geomorfólogo Aziz Nacib Ab'Sáber. Também professor da USP, Ab'Sáber elaborou uma classificação mais complexa do que a de seu antecessor. Introduziu a abordagem morfoclimática, que considera os efeitos do clima sobre o relevo. Identificam-se sete planaltos e três planícies na classificação de Aziz. Os planaltos são:
Planalto das Guianas, Planalto Central, Planalto Meridional, Planalto Nordestino, Planalto do Maranhão-Piauí, Planalto Uruguaio Sul-Riograndense, Serras e Planaltos do Leste e Sudeste. As planícies são: Planície Amazônica, Planície do Pantanal, Planície Costeira. Veja o mapa com a classificação de relevo de Aziz Ab'Sáber:

Em 1989 foi divulgada a nova classificação de relevos do Brasil elaborada pelo professor Jurandyr Ross, do Laboratório de Geomorfologia do Departamento de Geografia da USP. Ele usou no seu trabalho os dados produzidos pelo Projeto Radam Brasil. Esse projeto, que restringia-se ao mapeamento por radar da Amazônia, foi ampliado para todo o Brasil em 1975. No levantamento dos dados foi utilizado o avião Caravelle que sobrevoou o país a uma altitude média de 12 km e a uma velocidade média de 690 Km/h. O professor Jurandyr Ross fez parte da equipe do Radam Brasil. A nova classificação, com 28 unidades de relevo, considerou, além das características morfoestruturais (estruturas geológicas) e morfoclimáticas, as características morfoesculturais do relevo, ou seja, a ação dos agentes externos. E introduz o conceito de depressão, inexistente nas classificações anteriores. As depressões são formas de relevo que apresentam altitudes mais baixas do que as existentes ao redor, já que elas circundam planaltos. Nas áreas de contato entre os planaltos e as depressões, costumam surgir escarpas quase verticais, demosntrando o efeito da erosão diferencial. Os sedimentos erodidos constituem a estrutura aplanada das depressões enquanto as rochas resistentes à erosão constituem os planaltos. No Brasil, existem 11 depressões e elas são divididas nos três grupos a seguir:
Depressão Periférica: estabelecidas nas regiões de contato entre estruturas sedimentares e cristalinas.
Depressão Interplanáltica: estabelecidas em áreas mais baixas em relação aos planaltos que as circundam.
Depressão Marginal: margeiam as bordas de bacias sedimentares, esculpidas em estruturas cristalinas.
Os planaltos, segundo a classificação de Jurandyr Ross, correspondem às estruturas que cobrem a maior parte do território e são consideradas formas residuais, ou seja, constituídas por rochas que resistiram ao trabalho de erosão. No Brasil existem 11 planaltos divididos nos quatro grupos a seguir:
Planaltos em Bacias Sedimentares: constituídos por rochas sedimentares e circundados por depressões periféricas ou marginais. Planaltos dos Cinturões Orogênicos: originados pela erosão sobre os antigos dobramentos sofridos na Era Pré-Cambriana pelo território brasileiro. Planaltos em Núcleos Cristalinos Arqueados: estruturas que, embora isoladas e distantes umas das outras, possuem a mesma forma, ligeiramente arredondada. Planaltos em intrusões e coberturas residuais da plataforma (escudos): formações antigas da era Pré-Cambriana que possuem grande parte de sua extensão recoberta por terrenos sedimentares.
Nas planícies, onde predomina o trabalho de acumulação de sedimentos, as constituições das rochas se diferenciam dos planaltos e das depressões por serem formadas por sedimentação recente, com origem no Quaternário. No Brasil existem 6 planícies divididas em dois grupos:
Planícies Costeiras: encontradas no litoral como as Planícies e Tabuleiros Litorâneos.
Planícies Continentais: situadas no interior do país, são consideradas planícies as terras situadas junto aos rios.
Esses três conjuntos (depressões, planaltos e planícies) compõem a classificação mais recente adotada no Brasil. Veja o mapa da classificação de relevo de Jurandyr Ross:
Conclui-se, então, que as classificações de relevo do Brasil evoluiram nos últimos 60 anos, não só pelo uso de novas tecnologias bem como pela incorporação de novos conceitos e metodologias de trabalho. Vamos lá, leitor! Compare os mapas observando-os com atenção. Note como as planícies diminuem a cada clasificação. Observe cada mudança e exercite seu olhar geográfico. Pode ser bastante divertido.



Por uma perspectiva cultural do ser humano - Michael Cole

Michael Cole
A obra de Michael Cole e Sheila Cole (2003), “O desenvolvimento da criança e do adolescente”, além de apresentar uma ampla gama de experimentos e progressões da Psicologia do Desenvolvimento é uma obra de profunda refl exão sobre a epistemologia, não apenas dessa área, mas de toda a Psicologia. A obra apresenta algumas questões fundamentais, dentre as quais cabe destacar a tentativa de signifi car o que é estudar cientificamente o desenvolvimento do ser humano, discutindo seus métodos, epistemes, amplitudes e usos potenciais. A Psicologia do Desenvolvimento nasce como campo de pesquisas na passagem dos séculos XIX ao XX. Essa disciplina nasce de uma intensa produção sobre a infância, onde autores do campo filosófico, pedagógico, político, médico, estatístico, sentimental, autobiográfico – e até apocalíptico como propõe o próprio Cole (1999) – examinam a infância de todas as maneiras que a ciência positivista d’outrora permitia, muito marcada pelas perspectivas evolucionistas de Darwin, que até hoje persistem nessa área de atuação e produção em Psicologia. Os estudos das questões referentes à infância e à adolescência são mais recentes que sua definição, pelo menos em termos psicossociais. Nas sociedades ocidentais, a tradicional fi gura do Direito Romano, da patria potestad, condicionou durante séculos a lógica de que os adultos percebem (ou perceberiam) a criança e seus problemas, visto que a criança pertence ao pai, ou seja, uma propriedade da família. Isso implica que seus problemas são problemas de sua família, ou seja, problemas privados, e não uma responsabilidade coletiva (Àries, 1973; Casas, 1998). Esta representação compartilhada traduz a imagem da criança como sujeito de pouca importância social e, já que não tem direitos por si mesmo, outros devem falar por ela. O problema que tradicionalmente se atribuía à incapacidade das crianças, está se revelando como um problema de falta de competência adequada para relacionar-se com ela, principalmente por parte de juízes, advogados, pesquisadores e profissionais em geral (Àries, 1973; Casas, 1998). A própria Psicologia no desenvolvimento de sua rama evolutiva, muitas vezes incorreu nas mesmas imposturas; não conseguindo criar um marco adequado e particular para o entendimento dos processos psicológicos da infância e da adolescência. O que Cole e Cole (2003) tentam em sua obra é inicialmente defi nir o campo de estudo do desenvolvimento humano, sem obviar as questões de sua própria história, ou seja, analisando de maneira efetiva os avanços em termos de concepções de natureza biológica, os avanços em psicologia pré-natal, e as conquistas psicomotoras, cognitivas, linguísticas, sociais, perceptuais, discursivas e afetivas da infância, sempre tendo em vista os elementos culturais que as conformam, em especial no próprio campo da Psicologia.
Durante todo o progresso do pensamento científico acerca do processo de desenvolvimento humano, diferentes autores, teorias e modelos explicativos foram mantendo distintas posições como resposta aos problemas das relações entre a evolução das pessoas durante seu ciclo vital e suas práticas e condutas sociais (Mestres & Goñi, 1999). Em O desenvolvimento da criança e do adolescente (Cole & Cole, 2003), fica evidente a tentativa dos autores de integrar as diferentes perspectivas de concepções de desenvolvimento (desde as de orientação psicanalíticas até as concepções mais históricoculturais, passando pelas leituras piagetianas e pós-piagetianas), especialmente quando os autores desenvolvem os conceitos de ilhas de competência, enfocando melhor assim as especifi cidades de cada teoria, bem como os diferentes matizes que compõem as concepções de desenvolvimento. Dentro desta perspectiva, a atividade humana está sempre inscrita em um marco culturalmente organizado, o que a diferencia e a torna singular com relação ao comportamento das outras espécies. As manifestações psicológicas em forma de costumes, de pensamentos, de crenças, de emoções, de conhecimentos do mundo físico e social, de ideologias, de valores, de atitudes, de pautas de comportamento, de instituições, de estruturas de atividades e relações sociais, atuam como mediadores entre os indivíduos do grupo e seu ambiente (Coll, Palacios & Marchesi, 1992; Mestres & Goñi, 1999; Vygotsky, 1989). O reconhecimento do caráter especificamente cultural e social do comportamento humano como um elemento particular e diferenciador da nossa espécie significa o ponto de partida mais peculiar para avançar na resolução do complexo problema das relações entre o desenvolvimento pessoal e a socialização (Vygotsky, 1989). Em sua obra, Cultural Psychology, Michael Cole (1999) já pontua os principais pontos que desenvolve em sua obra “O desenvolvimento da criança e do adolescente” (Cole & Cole, 2003), onde defende o “olhar cultural” para os fenômenos (não apenas) evolutivos do desenvolvimento psicológico humano. Dentre os principais pontos destacados, assinala a ação mediada em um contexto, além de insistir na importância do “método genético” (entendido amplamente na obra de Cole, para incluir os níveis histórico, ontogenético e microgenético de análise – fi el ao modelo sociocultural vygotskyano). Cole e Cole (2003) também defendem a importância de fundamentar a análise evolutiva nos acontecimentos da vida diária (ainda que não despreze as perspectivas mais experimentais ou simbólicas) e a perspectiva de que a mente surge na atividade mediada conjunta das pessoas. De forma coerente com a perspectiva de Leontiev (e da Teoria da Atividade), supõe-se a mente fundamentalmente como “co-construída” e distribuída, de forma a defi nir uma noção de sujeito ativo em relação a seu próprio desenvolvimento, ainda que não ajam em contextos exclusivamente escolhidos. Essa opção epistemológica rechaça as perspectivas de “causa-efeito” ou “estímuloresposta” como modelos de ciência e implica uma noção científica que se sustenta na emergência da mente em atividade, reconhecendo nela um papel central para a interpretação do “ser” humano dentro de seu contexto explicativo. Cabe salientar, no entanto, que essa integração de perspectivas das ciências humanas não exclui as perspectivas das ciências sociais e biológicas. A obra de Cole e Cole (2003) consegue, dentro de uma perspectiva sociocultural, desenvolver um marco integral de entendimento do desenvolvimento humano.
Essa integração também já era clara na obra Cultural Psychology (Cole, 1999), quando Cole utiliza a metáfora de Max Weber para defi nir sua noção de “ser humano cultural”. Nessa obra, Cole já defendia noção weberiana (também compartilhada por Bruner, 1988) de sujeito como a de “um animal suspenso em redes de significação que ele mesmo teceu”, e acrescenta: “acredito que essas redes são a cultura” (Cole, 1999, p.118). Se simplifica-se a complexidade cultural em torno a dois grandes modelos, tal como defendem Álvarez e Del Río (2001), consegue-se entender melhor as noções defendidas por Cole e Cole (2003). O primeiro, seria o modelo de cultura orientado à comunidade e à psique compartilhada (modelos tradicionais, populares...), e o segundo, o orientado ao individualismo (modelo anglosaxão moderno, por exemplo). Sem adotar uma posição excludente, “fica claro que ambos os modelos possuem suas vantagens. (...). O que se ganha com a individualização é a autonomia, e o que se perde é a participação afetiva e a coesão social” (Álvarez & Del Río, 2001, p.15). Cole e Cole (2003), ao enfatizar a importância da cultura como eixo principal de compreensão do desenvolvimento humano (e até social), gera uma noção de sujeito marcadamente diferente da perspectivas tradicionais, ainda que incorra no risco de desenvolver uma relação hermenêutica entre seu objeto de estudo e o método de compreensão de tais fenômenos. Entretanto, essa noção de sujeito “produto-produtor” de cultura amplia a noção de método também. A noção de cultura aqui defendida é uma noção “não substantiva”, ou seja, a cultura não apenas se ‘recebe’, mas é transformada pelas pessoas dessa cultura. Como afirma Barbara Rogoff (1993, p.251), “os indivíduos transformam a cultura quando se apropriam de suas práticas a as transmitem à geração seguinte e às necessidades de suas circunstâncias específicas”. Na mesma linha, já havia as premissas de Jerome Bruner (1988, p.128), que afirma (comentando como a linguagem tem uma função constitutiva na criação da realidade) a ideia “de que uma cultura em si compreende un ‘texto’ ambíguo que necessita ser interpretado constantemente por aqueles que participam nela”. Assim, as pessoas participantes têm uma função ativa na cultura:
                                    A implicação mais geral é que uma cultura está se ‘re-criando’ constantemente ao ser interpretada e re-negociada por seus integrantes. Segundo esta perspectiva, uma cultura é tanto um fórum para negociar e re-negociar os significados e explicar a ação, como um conjunto de regras ou especifi cações para a ação. (...) É este aspecto de forum da cultura o que dá a seus participantes uma função na constante elaboração e re-elaboração dessa cultura; uma função ativa (Bruner, 1988, p.128).

Cole e Cole (2003) defendem em sua obra que as ações concretas de cada ser humano está “emoldurada” na cultura, possuem seu lugar, mas apenas podendo ser entendidas em um  contexto concreto. Cole (1999), já havia dedicado especial atenção à enriquecer e esclarecer este conceito, fazendo-o ir além de seu significado mais habitual, o de contexto como ‘moldura’, como ‘o que rodeia’ (ainda que o inclua em sua própria definição). Defende a ideia do contexto como ‘aquele que entrelaça’; recordando sua raiz latina, contextere. Quando se pensa no contexto desta maneira, não se pode reduzir a aqui lo que rodeia. O contexto é, pelo contrário, uma relação qualitativa entre um mínimo de duas entidades analíticas (os fios), que são dois momentos em um único processo. Os limites entre `a tarefa e seu contexto´ não são claros e estáticos, mas ambíguos e dinâmicos. Por regra geral, o que se toma como objeto e o que se toma como aquilo-que-rodeia-o-objeto se constituem pelo ato mesmo de nomeá-los (Cole, 1999, p.129).


Desta maneira, “um ‘ato en seu contexto’ entendido em termos da metáfora do entrelaçamento requer uma interpretação relacional da mente; os objetos e os contextos se apresentam juntos como parte de um único processo bio-psico-socio-cultural de desenvolvimento.” (Cole, 1999, p.129). Os contextos não devem entender-se como algo definitivamente dado, mas como se constituem-se dinamicamente, mutuamente com a atividade dos participantes. Um contexto se delimita pelo que a gente faz, onde e quando o faz e, neste sentido, as pessoas que interagem chegam a constituir o contexto para os demais (Lacasa & Silvestri, 2001). Esse contexto, na perspectiva sociocultural que compartilham Cole e Cole (2003) não pode separar-se da cultura, por três motivos: “1) porque não pode separar-se de uma dimensão temporal, histórica na realidade humana, que o configura; 2) porque nele estão presentes instrumentos materiais e simbólicos que permitem os indivíduos adaptarem-se à realidade e projectarem-se ao futuro; 3) porque é un marco social” (Lacasa & Silvestri, 2001, p.341). Apesar da grande variedade de trabalho que realizam e das teorias que orientam suas pesquisas, Cole e Cole (2003) sintetizam a ideia de que psicólogos do desenvolvimento compartilham interesse em três questões fundamentais sobre o processo de desenvolvimento humano: 1. Continuidade. O desenvolvimento é um processo gradual de mudança ou é pontuado por períodos de rápida mudança e da repentina emergência de novas formas de pensamento e de comportamento? 2. Fontes de desenvolvimento. Quais são as contribuições da hereditariedade genética e do ambiente para o processo da mudança desenvolvimental? 3. Diferenças individuais. Não há dois seres humanos exatamente iguais. Como uma pessoa vem a possuir características individuais estáveis que a tornam diferente de todas as outras pessoas?


Os psicólogos estão profundamente divididos sobre muitos aspectos dessas três questões fundamentais. Suas suposições diferentes sobre continuidade, fontes de mudança e diferenças individuais deram origem a estruturas teóricas concorrentes. Em sua quarta edição, em especial, enfatiza a conexão entre os âmbitos teóricos e práticos; uma maior atenção aos vínculos entre os eventos desenvolvimentais sociais, emocionais e cognitivos da criança, uma ampliação dos tópicos “chave” da teoria do desenvolvimento (com especial atenção à formação da identidade) e uma importante valorização da diversidade cultural humana como fator evolutivo, tanto onto como sociogenéticamente. Assim, pode-se concluir que a aposta de Cole e Cole (2003) além de ampla e inovadora (no sentido de promoção de uma noção de sujeito cultural) consolida uma nova tendência de entendimento contextualizado, implicado e ativo do ser em desenvolvimento, configurando-se em leitura mais do que indicada para estudantes e profissionais da Psicologia e áreas afins.
Referências
Álvarez, A., & Del Río, P. (2001). Culturas, desarrollo humano y escuela. Hacia el diseño cultural de la educación. Cultura y Educación, 13(1), 9-20.
Ariès, P. (1973). L´Enfant et la vie familiale sous l´ancien régime. Paris: Editions du Soleil.
Bruner, J. (1988). Realidad mental y mundos posibles. Barcelona: Gedisa.
Casas, F. (1998). Infancia: Perspectivas psicossociales. Barcelona: Paidós.
Cole, M. (1999). Psicología cultural. Madrid: Morata.
Cole, M., & Cole, S. (2003). O desenvolvimento da criança e do adolescente. Porto Alegre: Artmed.
Coll, C., Palacios, J., & Marchesi, A. (1996). Desenvolvimento psicológico e educação: psicologia da educação. Porto Alegre: Artes Médicas.
Lacasa, P., & Silvestri, A. (2001). Contextos de aprendizaje y desarrollo. Una mirada desde Latinoamérica. Cultura y Educación, 13(4), 339-354.
Mestres, M., & Goñi, J. (1999). Desenvolvimento pessoal e educação. Em: C. Coll (Ed.), Psicologia da educação (pp.72-133). Porto Alegre: Artes Médicas.
Rogoff, B. (1993). Aprendices del pensamiento. Barcelona: Paidós
Vygotsky, L. S. (1989). Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes.

A PEDAGOGIA DE JEROME BRUNER

Jerome Bruner
Bruner apelida a sua teoria de instrumentalismo evolucionista, uma vez que, para o psicólogo e pedagogo norte-americano, o homem depende das técnicas para a realização da sua própria humanidade. Embora, à semelhança de Jean Piaget, coloque a maturação e a interação do sujeito com o ambiente no centro do processo de desenvolvimento e de formação da pessoa, Bruner acentua o caráter contextual dos fatos psicológicos. A abertura à influência do contexto e do social no processo de desenvolvimento e de formação torna a teoria de Jerome Bruner mais abrangente do que a teoria de Jean Piaget e fazem com que aquele consiga incorporar a transmissão social, o processo de identificação e a imitação no processo de desenvolvimento e formação. O caráter desenvolvimentista da teoria de Bruner mantém-se graças à tônica que ele coloca no papel da equilibração, ou seja, a capacidade que cada pessoa tem de se auto-regular.
Um outro aspecto que diferencia a teoria de Bruner da teoria de Piaget é o papel que o primeiro concede à cultura, à linguagem e às técnicas como meios que possibilitam a emergência de modos de representação, levando-o a afirmar que o desenvolvimento cognitivo será tanto mais rápido quanto melhor for o acesso da pessoa a um meio cultural rico e estimulante. O papel que Bruner concede à linguagem no processo de desenvolvimento e de formação obriga-nos, também, a diferenciar o seu pensamento da teoria do epistemólogo genebrino. Para Bruner, à semelhança de Chomsky, a linguagem tem um papel amplificador das competências cognitivas da criança, ajudando-a a uma maior interação com o meio cultural.
A teoria de Bruner incorpora, de uma forma coerente, quer as contribuições do maturacionismo quer os contributos do ambientalismo, pois é através de uns e de outros que a criança organiza os diferentes modos de representação da realidade, utilizando as técnicas que a sua cultura lhe transmite. O desenvolvimento cognitivo da criança depende da utilização de técnicas de elaboração da informação, com o fim de codificar a experiência, tendo em conta os vários sistemas de representação ao seu dispor. Bruner, à semelhança de Piaget, procurou tipificar o desenvolvimento cognitivo numa série de etapas: até aos 3 anos de idade, a criança passa pelo estádio das respostas motoras, dos 3 aos 9 anos, faz uso da representação icônica, e a partir dos 10 anos de idade, acede ao estádio da representação simbólica. No primeiro estádio, a criança representa os acontecimentos passados através de respostas motoras apropriadas e privilegia a ação como forma de representação do real, sendo por isso que a criança dessa faixa etária aprende, sobretudo, através da manipulação de objetos. Nesta fase, a criança age com base em mecanismos reflexos, simples e condicionados até conseguir desenvolver automatismos. A segunda etapa, a representação icônica, baseia-se na organização visual, no uso de imagens sinópticas e na organização de percepções e imagens. A criança é capaz de reproduzir objetos, mas está fortemente dependente de uma memória visual, concreta e específica. A terceira etapa, a representação simbólica, constitui a forma mais elaborada de representação da realidade porque a criança começa a ser capaz de representar a realidade através de uma linguagem simbólica, de carácter abstrato e sem uma dependência direta da realidade. Ao entrar nesta etapa, a pessoa começa a ser capaz de manejar os símbolos em ordem não só a fazer a sua leitura da realidade mas também a transformar a realidade. A passagem por cada uma destas três etapas pode ser acelerada através da imersão da criança num meio cultural e linguístico rico e estimulante. Da sua vasta obra, é possível destacar os seguintes livros: Acts of Meaning, Harvard University Press, 1990; Actual Minds, Possible Words, Harvard University Press, 1986; On Knowing, Harvard University Press, 1979; The Process of Education, Harvard University Press, 1960; Toward a Theory of Instruction, Harvard University Press, 1966.

No livro Acts of Meaning, Bruner defende que a revolução cognitiva tem sido incapaz de revelar os mistérios da mente e tem oferecido propostas educacionais de alcance muito limitado, sendo necessário que a psicologia volte a acentuar o papel da cultura na formação da nossa linguagem e dos nossos pensamentos. Embora, neste livro, Bruner se aproxime de algumas propostas avançadas pelos teóricos da aprendizagem social, nomeadamente na importância dada aos contextos culturais no desenvolvimento do processo de aprendizagem e na crítica que estes têm feito à regidez dos estádios do desenvolvimento cognitivo, Bruner procura superar as limitações e a rigidez da teoria cognitivista, levando-a por caminhos de maior abrangência.

No livro Actual Minds, Possible Words, Bruner desenvolve uma síntese brilhante da psicologia, antropologia, sociologia e filosofia contemporâneas, abordando os limites do estruturalismo, do pragmatismo e do desconstrucionismo. Assuntos como o papel da narrativa no processo de aprendizagem e a relação entre o construtivismo cognitivo e a educação são, igualmente, abordados nesta obra. Bruner procede à crítica da abordagem experimentalista, chamando a atenção para o fato da diversidade e da profundidade do pensamento e da inteligência humanas não poderem ser reproduzidas em laboratório, antes necessitando do concurso das abordagens qualitativas e humanistas.

No livro On Knowing, Bruner oferece-nos um conjunto de ensaios curtos sobre diversos tópicos da psicologia e da educação. Assuntos como a educação para além da teoria de John Dewey, o ensino da Matemática, o controlo do comportamento e o papel da criatividade na construção do conhecimento, constituem o cerne desta coleção de ensaios. À semelhança das suas restantes obras, Bruner acentua a importância da descoberta no processo de construção do conhecimento e a relação entre o conhecimento e a ação.

No livro The Process of Education, Bruner apresenta uma teoria da aprendizagem, fortemente influenciada pela teoria cognitiva, mas ligada intimamente aos contextos culturais onde a aprendizagem ocorre. Este livro foi escrito na sequência das célebres conferências de Woods Hole, sobre reforma curricular, realizadas em 1959, sob a coordenação de Bruner. Central na teoria da aprendizagem apresentada por Bruner, neste livro, é a ideia de que é possível ensinar tudo aos alunos desde que se utilizem procedimentos adaptados aos estilos cognitivos e às necessidades dos alunos. Assuntos como a natureza da aprendizagem, a estrutura do conhecimento, e os meios pelos quais um e outro são adquiridos, constituem as grandes linhas de força desta obra.

No livro Toward a Theory of Instruction, Bruner desenvolve os tópicos discutidos na obra The Process of Education e apresenta, de uma forma estruturada, a sua teoria da aprendizagem.

A influência que o livro The Process of Education teve nas reformas curriculares, ocorridas nos EUA, na década de 60, foi enorme. Interessado, em primeiro lugar, no estudo dos processos de desenvolvimento psicológico e nos diferentes modos de pensamento, Bruner desenvolveu um conjunto de teorias sobre a aprendizagem, a linguagem, o currículo, a pedagogia e antropologia que tiveram uma enorme influência, nos EUA e na Europa, durante as décadas de 60, 70 e 80. A ligação de Bruner ao “Academic Reform Movement” coincidiu como um período da guerra fria caracterizado pela rivalidade científica entre os EUA e a Rússia Soviética, cujo ponto alto ocorreu com o lançamento do “Sputnik”, em 1956. A reação americana aos avanços soviéticos na corrida ao espaço teve um forte impacto na refroma curricular forte e visou reforçar o ensino das Ciências e da Matemática nas escolas básicas e secundárias. A teoria da aprendizagem de Bruner oferecia uma moldura inspiradora para tais reformas curriculares, não admirando, portanto, que o psicólogo de Harvard se visse envolvido nesse movimento de reforma curricular, desde o início. A obra The Process of Education, escrita na sequência das Conferências de Woods Hole, realizadas sob os auspícios da National Academy of Sciences, tornou-se a principal referência das reformas curriculares dessa época. Dos muitos projectos curriculares desenvolvidos no âmbito desse movimento, convém destacar dois pela influência que tiveram, respectivamente no ensino das Ciências Matemáticas e Naturais e no ensino das Ciências Sociais: Science – A Process Aproach e Man: A Course of Study.

Central na reforma curricular inspirada na teoria da aprendizagem de Bruner foi o reconhecimento do valor da ciência como a forma mais sofisticada do conhecimento humano e, em consequência, o relevo que o ensino das matérias científicas deveria ter no currículo escolar. Perante o avanço rápido das Ciências, seria necessária uma abordagem diferente ao seu ensino. Em vez da exposição aos fatos, fenômenos e teorias, Bruner defendia a necessidade de os alunos compreenderem o próprio processo de descoberta científica, familiarizando-se com as metodologias das Ciências de modo a assimilarem os princípios e estruturas das diversas Ciências. Assim sendo, “os conceitos de estrutura, princípio fundamental e transferência são fundamentais e estão interligados na concepção teórica de Bruner” (Roldão, 1994: 61).

Um outro aspecto central na teoria da aprendizagem de Bruner é a importância concedida ao método da descoberta, com base na ideia de que o conhecimento da estrutura das disciplinas exige a utilização das metodologias das Ciências que suportam as várias disciplinas do currículo. Com esta ideia, Bruner faz a crítica da metodologias expositivas, considerando, ao invés, que a aprendizagem das Ciências se faz melhor através do envolvimento dos alunos no processo de descoberta e no uso das metodologias científicas próprias de cada ciência: “Julgamos que, logo de início, o aluno deve poder resolver problemas, conjecturar, discutir da mesma maneira que se faz no campo científico da disciplina” (Bruner, 1965: 1014).

Um outro importante contributo teórico de Bruner para a teoria da aprendizagem são os conceitos de prontidão e de aprendizagem em espiral, desenvolvidos ao longo do livro The Process of Education. No essencial, o conceito de prontidão pode ser enunciado da seguinte forma: as bases essenciais de qualquer disciplina científica podem ser ensinadas em qualquer idade de forma genuína. Ao contrário de Piaget, o psicólogo de Harvard não via qualquer obstáculo de ordem cognitiva e desenvolvimental ao ensino das Ciências com crianças pequenas. O conceito de aprendizagem em espiral pode enunciar-se da seguinte forma: qualquer ciência pode ser ensinada, pelo menos nas suas formas mais simples, a alunos de todas as idades, uma vez que os mesmos tópicos serão, posteriormente, retomados e aprofundados mais tarde. Piaget nunca aceitou pacificamente esta tese de Bruner, tendo havido alguma controvérsia, sobre esta matéria, entre Bruner e alguns piagetianos ortodoxos. Explicitando as diferenças teóricas entre Bruner e Piaget face ao currículo em espiral e ao conceito de prontidão, Roldão (1994: 63) afirma: “O currículo em espiral de Bruner é, segundo este autor, fundamentado pela caracterização do desenvolvimento dos estádios. No entanto, esta fundamentação é vista como uma orientação para adaptar estratégias de ensino aos diferentes modos de ver o mundo em diferentes idades e não para selecionar ou excluir conteúdos ou conceitos. Os desenvolvimentistas interpretam a teoria de modo diferente, relacionando a natureza e o nível da abstração dos conteúdos com os processos mentais que funcionam ou não num dado estádio. Dão especial importância à hierarquia dos estádios enquanto Bruner, apesar de ter também estabelecido uma sequência de estádios, se preocupa mais com a especificidade qualitativa da compreensão das crianças em cada fase”.

Decorrente quer da preferência pelo método da descoberta quer da teoria da aprendizagem em espiral, surge a proposta de organização dos curriculos e das práticas de ensino em torno do processo de reconstrução dos saberes científicos, através “da interiorização dos seus princípios e da tentativa de aplicação dos seus métodos” (Roldão, 1994: 64). Subjacente a esta teoria está a ideia de que o aluno que aprende Biologia é um pequeno biólogo, uma vez que o professor deve assegurar que ele utilize uma metodologia o mais próxima possível daquela que o cientista usa.

Bruner considera que as crianças possuem quatro características congênitas, por ele chamadas de predisposições que configuram o gosto de aprender. São elas: a curiosidade, a procura de competência, a reciprocidade e a narrativa. A curiosidade é uma característica facilmente observável em todas as crianças. Por ser tão comum, Bruner considera que a curiosidade é uma característica que define a espécie humana. A procura de competência também pode ser observada em todas as crianças, as quais procuram imitar o que os mais velhos fazem, com o objetivo de poderem reproduzir e recriar esses comportamentos e competências. A reciprocidade também é uma característica presente nos humanos. Envolve a profunda necessidade de responder aos outros e de operar, em conjunto com os outros, para alcançar objetivos comuns. Por fim, a narrativa, entendida como a predisposição para criar relatos e narrativas da nossa própria experiência, como objetivo de transmitir essa experiência aos outros. É a narrativa que permite a partilha das experiências, por isso, é tão importante no processo de aprendizagem. Com a narrativa torna-se possível a partilha de significados e de conceitos, de forma a alcançar modos de discurso que integrem as diferenças de significado e de interpretação.

Crítica

A introdução e generalização abusiva destas teses de Bruner, por parte dos construtores dos curriculos, durante as últimas décadas, levou a que muitos professores se tenham sentido pressionados para privilegiar o uso sistemático dos processos de pesquisa e da metodologia da descoberta, em prejuízo de uma maior equilíbrio e diversificação das metodologias, numa evidente desvalorização dos processos de transmissão de conhecimentos e dos métodos de aprendizagem por recepção. Como é evidente, uma aprendizagem de qualidade não pode prescindir nem de uns nem de outros e qualquer exclusivismo só pode provocar maus resultados. Roldão (1994: 65) referindo-se às limitações de uma aplicação mecânica para o desenvolvimento curricular da teoria de Bruner afirma: “Os métodos de pesquisa, que poderão ser certamente muito apropriados em inúmeras situações de ensino e aprendizagem, não deveriam ser, quanto a mim, limitados a uma suposta reprodução de uma abordagem empirista do método científico”. Ausubel (1978: 60) chamou a atenção para as desvantagens de uma sobrevalorização da experiência direta como processo de aprendizagem de conceitos, uma vez que a aplicação do método científico não é suficiente para aprender Ciências. Embora as críticas que Bruner formulou à rigidez da teoria dos estádios de desenvolvimento cognitivo de Piaget tenham ajudado a flexibilizar as propostas curriculares influenciadas pelas teorias cognitivas, a verdade é que a sua preferência pelo método da descoberta e a defesa que faz do aluno enquanto cientista colocam muitas limitações à aprendizagem dos fatos, noções e teorias, a qual se deve fazer, também, através de metodologias expositivas e da aprendizagem por recepção, sob pena da impossibilidade de cumprimento de programas, com as consequentes lacunas de informação.

Bibliografia

Ausubel, D. Novak, J. e Hanesian, H. (1978). Educational Psychology: A Cognitive View. Nova Iorque: Holt, Rinehart and Winston
Bruner, J. (1965 a). “The growth of mind”. American Psychologist, 20, 1007-1017
Bruner, J. (1965 b). “MACOS: Man, A course of study”. Educational Services Inc. Quarterly Report, Spring-Summer, 3-13
Bruner, J. (1964). On Knowing: Essays for the Left Hand. Cambridge. Harvard University Press
Bruner, J. (1960). The Process of Education. Cambridge. Harvard University Press
Bruner, J. (1966). Toward a Theory of Instruction. Cambridge. Harvard University Press
Bruner, J. (1986). Actual Minds, Possible Words. Cambridge. Harvard University Press
Marques, R.(1998). A Arte de Ensinar – Dos Clássicos aos Modelos Pedagógicos Contemporâneos. Lisboa: Plátano Editora
Roldão, M. C. (1994). O Pensamento Concreto da Criança: Uma Perspectiva a Questionar no Currículo. Lisboa. IIE