sábado, 15 de agosto de 2009

As 865 bases militares dos EUA em 40 países! Mais sete na Colômbia?

No contexto do neopinochetismo hipocritamente tolerado por Washington em Honduras, agora resulta que a projetada instalação de sete bases militares dos Estados Unidos na Colômbia, que provocou massivo repúdio na América Latina, constitui a atualização de um novo acordo de segurança mediante o arrendamento das bases existentes com a finalidade filantrópica de combater a narcoguerrilha fronteiriça, segundo uma engenhosa interpretação de Obama exposta para um grupo de jornalistas hispanos (Reuters, 07/08/09), em vésperas da desarticulada cúpula do ASPAN em Guadalajara, onde o México não tem nada que fazer nem devia ter participado desde sua calamitosa gênese.
Ninguém aprende com a cabeça alheia e EUA repete os mesmos erros da URSS, com uma tríade de consequências devastadoras: sobreextensão imperial, guerra perpétua e insolvência, que levam a um provável colapso similar ao da anterior União Soviética, na opinião de Chalmers Johnson (Dez medidas para liquidar as bases militares dos EUA; Asia Times, 04/08/09).
Chalmers Johnson, professor emérito da Universidade da Califórnia (San Diego) e profícuo autor de livros notáveis, evidencia o império global potencialmente ruinoso de bases militares, que cadencia a longa dependência no imperialismo e no militarismo dos EUA em suas relações com outros países, além de "seu inchado establishment militar".
Paralelamente, Floyd Norris, analista financeiro e econômico do The New York Times (01/08/09), revela que o embarque de bens duradouros civis dos EUA caiu mais de 20% durante a recessão, o qual teria sido pior se não fosse a crescente produção de armas, que disparou 123% acima da média do ano 2000 (início do militarismo bushiano, que Obama incrementou com sua máscara de cordeiro sequestrado pelos lobos do Pentágono).
Norris comenta que EUA é primariamente uma economia civil, quando o "item militar representa ao redor de 8% de todos os bens duradouros (no ano 2000 foi 3%)"; porém, em nossa humilde opinião, é a uma economia preponderantemente militar, já que muitos segmentos de sua atividade civil se entrelaçam com seu substancial belicismo, como tem demonstrado SIPRI, o excelso instituto pacifista sueco.
Segundo o inventário do Pentágono, em 2008, citado por Johnson, o império dos EUA consiste em 865 instalações em mais de 40 países, com um deslocamento de mais de 190 mil soldados em mais de 46 países e territórios.
Johnson expõe o caso singular do Japão e a base de Okinawa (por certo, infestada por escândalos sexuais dos dissolutos militares estadunidenses que levam 64 anos ininterruptos de ocupação).
As sete bases militares adicionais dos EUA na Colômbia elevarão seu total planetário para 872, o qual não tem equivalente com nenhuma potência passada e presente. Literalmente, os Estados Unidos invadiram o mundo!
O mais relevante radica, na opinião de Johnson, em que tal ocupação é desnecessária para a genuína defesa dos EUA, além de provocar fricções com outros países e sua dispendiosa manutenção global (250 bilhões de dólares por ano, segundo Anita Dancs Foreign Policy in Focus): seu único propósito é oferecer aos EUA hegemonia, isto é, controle ou domínio sobre o maior número possível de países no planeta.
Na opinião de Johnson, Obama não percebeu que os EUA não têm mais a capacidade de exercer sua hegemonia global, enquanto exibe seu lastimoso poder econômico mutilado, quando os EUA se encontram em uma decadência sem precedentes.
Expressa três razões básicas para liquidar o império estadunidense: 1. Carece dos meios para um expansionismo de pós-guerra; 2. "Vai perder a guerra no Afeganistão, o qual aumentará ainda mais sua quebra"; 3. Acabar o vergonhoso segredo do império de nossas bases militares.

Propõe dez medidas:
1. Por fim ao severo dano ambiental causado pelas bases e pelo cesse do Acordo sobre o Estatuto dos Exércitos (SOFA, por suas siglas em inglês) que de antemão impede aos países anfitriões exercer sua jurisdição sobre os crimes perpetrados pelos soldados estadunidenses, isentos de toda culpabilidade (particularmente, a epidemia de violações sexuais nos paraísos militares).
2. Liquidação do império e aproveitar o custo de oportunidade para investir em campos mais criativos.
3. O anterior, indiretamente, frearia o abuso aos direitos humanos, já que o imperialismo engendra o uso da tortura, tão abundante no Iraque, no Afeganistão e na base de Guantanamo.
4. Recortar a inacabável lista de empregados civis e dependentes do Departamento de Defesa, dotado de seu luxuoso prédio (piscina, cursos de golfe, clubes, etc.).
5. Desmontar o mito, promovido pelo complexo militar-industrial, de sua valia na criação de empregos e na investigação científica, o qual tem sido desacreditado por uma investigação econômica séria.
6. "Como país democrático que respeita a si mesmo, EUA deve deixar de ser o maior exportador de armas e munições do mundo e deixar de educar os militares do Terceiro Mundo (v.gr. militares da América Latina na Escola das Américas, em Fort Benning, Geórgia) nas técnicas de tortura, golpes militares e serviço como instrumentos de nosso imperialismo".
7. Devido às limitações crescentes do orçamento federal, devem ser abolidos os programas que promovem o militarismo nas escolas, como o treinamento do Corpo de Oficiais da Reserva.
8. Restabelecer a disciplina e a prestação de contas nas forças armadas dos Estados Unidos, diminuindo radicalmente a dependência dos contratistas civis, das empresas militares privadas e dos agentes que trabalham para o exército fora da cadeia de comando e do Código de Uniforme da Justiça Militar. O livro de Jeremy Scahill Blackwater cita: A ascensão do exército mercenário mais poderoso (sic!) do mundo (Nation Books, 2007). A propósito, o holandês-estadunidense Eric Prince, fundador retirado de Blackwater e neocruzado da extrema direita cristã do Partido Republicano (muito próximo ao bushismo), acaba de ser implicado em um assassinato (The Nation; 04/08/09.
9. Reduzir o tamanho do exército dos EUA.
10. Cessar a dependência não apropriada na força militar como principal meio para tentar alcançar metas de política exterior.
Sua conclusão é realista: infelizmente, poucos impérios no passado abandonaram voluntariamente seus domínios para permanecer como entidades políticas independentes e autogovernadas. Os dois importantes e recentes exemplos são os impérios britânico e o soviético. Se não aprendemos com eles, nossa decadência e queda estarão predeterminadas.
Terá cura a fixação dos Estados Unidos ao militarismo por mais um século?

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Entrevista com Izabel Passos


Especialista na obra do filósofo francês Michel Foucault, sobre a qual publicou Poder, normalização e violência (Autêntica, 2008), a professora Izabel Friche Passos, da Universidade Federal de Minas Gerais, defende que é preciso separar a questão da violência no âmbito da educação em duas dimensões. Uma delas é inerente às relações entre educadores e estudantes; outra é oriunda de problemas sociais externos à escola e nela se manifestam. Avalia, ainda, que é possível um exercício do poder de forma menos controladora e mais construída em função dos interesses diversos que agem na escola. E recrimina a adoção do toque de recolher como forma de proteger os jovens. Leia, a seguir, a entrevista.

As escolas particulares fazem dos aparatos de segurança um diferencial de marketing. Agora, a rede pública paulista lançou um pacote que prevê, entre outras medidas, a instalação de 11 mil câmeras em escolas. A ideia do panóptico de Bentham está tomando o lugar disciplinar dos educadores?

Parece... Mas teríamos de ver a questão da violência nas escolas de duas maneiras, porque a questão talvez seja mais complexa. A primeira é do ponto de vista do interior da escola, as questões que aparecem para os educadores no cotidiano no interior da instituição educacional. Não é uma coisa nova. Esses confrontos que acontecem entre professores e alunos têm adquirido uma dimensão maior, mais evidente, mas é uma questão que está posta pelo próprio discurso da instituição, que é uma instituição disciplinar, normalizadora. Nesse sentido, o panóptico aparece como modelo idealizado de disciplina. Não que tivesse sido realizado por completo, como Bentham pensou para as prisões, para favorecer o olhar do vigia, de quem está ali controlando os prisioneiros. É uma estrutura circular, uma torre colocada no centro da prisão, em que quem está vigiando tem a visão de todas as celas, colocadas ao redor desse olho, continuamente acionado e fiscalizando o que se passa em todo o espaço prisional. Por isso é considerado um modelo de fiscalização e controle quase absoluto.
Sugerimos o paralelo porque, no panóptico, quem controla não está sendo visto e quem é controlado é visto o tempo todo.

Exatamente. Quem está sendo controlado não sabe se em algum momento não está sendo vigiado. É censurado continuamente. A tentativa de estar a par do controle é infrutífera para esse prisioneiro. É o modelo da disciplina absoluta, e a instituição escolar é disciplinar, conforme a teorização de Foucault sobre as instituições da modernidade. É o momento em que esse tipo de instituição prolifera: além da escola, a família torna-se cada vez mais disciplinar; o exército, configurado como uma instituição do Estado, armada; a prisão etc. Todas elas têm como base inicial o modelo dos conventos, das instituições religiosas. Por quê? O que se pretende das instituições sociais na modernidade? Normalizar os indivíduos, produzir indivíduos mais conformes às normas e aos valores sociais da sociedade. Essas instituições têm um papel fundamental de socialização e de normalização. Dada essa condição de instituição civilizadora da escola, vinculada à ordem social, os conflitos sociais se manifestam dentro dela - o preconceito de classe, de raça, as desigualdades sociais. As instituições disciplinares implicam uma hierarquização de poder e de saber, e os alunos nessa situação são submetidos ao poder da escola.
E qual o segundo ponto?

A escola também deve ser pensada como alvo de uma violência externa que a tem atingido de maneira exacerbada, num crescente que acompanha a violência urbana e social. Daí, talvez, a justificativa desse uso excessivo de câmeras, para tentar controlar a violência que tem invadido as escolas. É preciso diferenciar essa violência da relação de poder de normalização. A violência é uma coisa da ordem da destruição, do massacre, do desrespeito absoluto ao outro. Nesse caso, as escolas têm sido vítimas de uma violência proveniente do uso de drogas, do tráfico de armas, do pouco valor dado à vida humana nesse contexto. Situações e atos absurdos, com índices às vezes mais altos que aqueles de países em guerra.
Mas não é inerente ao exercício do poder no âmbito da escola que haja um sentido positivo, não restrito ao controle, que contemple o diálogo?

Quando falo de relações de poder e do papel civilizatório da instituição escolar, refiro-me exatamente a pensar o poder de uma outra maneira, não apenas como controle e subjugação, mas algo em que se baseiam todas as relações sociais. E que é positivo, porque não se produz nada se não houver certos limites, se não houver normas e regras. Nessa questão de se formar um cidadão está implícito um jogo de forças. O poder que é só negativo, que só controla, é pouco eficaz porque pressupõe um poder absoluto por parte de quem está submetendo o outro. E nas sociedades que se reinventaram na democracia, a partir da sociedade grega, o valor da liberdade, da igualdade entre os indivíduos é um valor básico. E é exatamente por isso que o poder disciplinar é o poder típico da sociedade moderna, pois pressupõe indivíduos livres e uma adesão desses indivíduos às normas. Não é uma questão de violência, de força bruta, como nos regimes absolutistas, totalitários, que são paradoxos da história, porque o poder disciplinar traz nele também a potência da deformação de seu exercício.
De que forma a senhora ilustraria o exercício desse poder positivo?

O filme Entre os muros da escola - que deveria ser visto por professores, pais e estudantes -, por exemplo, trata de uma questão do cotidiano que é o confronto entre professores e alunos. Aqueles adolescentes estão vivendo uma fase em que a agressividade é fundamental. O tempo todo eles confrontam a coerência do professor, os valores que tenta passar, reproduzir para os alunos. É uma forma de resistência salutar, pois é formadora. Não se trata de mera rebeldia, os estudantes estão tentando encontrar os seus referenciais morais e éticos para vida. Estão num momento de passagem para a idade adulta, e fazem isso por meio da contestação, de um teste dos valores que os adultos querem lhes impor. E há uma ética entre eles. Quando um aluno briga com o outro, eles se xingam. Mas na hora que aquele com quem ele briga é desafiado pelo professor, eles se aliam. É a ética do companheirismo, da camaradagem, em meio a um conflito geracional inevitável.
Mas no filme o universo do saber é posto em questão pelos alunos, que não veem utilidade na linguagem culta, tomando-a como um mero artifício de poder. A escola perdeu a capacidade de produzir discursos formadores de saber e indutores do prazer na relação com o conhecimento?

Será que algum dia ela teve esse poder dessa maneira? Desconfio de avaliações que dizem que o que estamos vivendo é consequência da falência das instituições. Segundo esse discurso, a escola estaria falida como instituição formadora, a família como referência moral. Será que a escola ou qualquer outra instituição consegue realizar de maneira tão harmônica os princípios a que se propõe? Porque a sociedade é cheia de conflitos, contradições e lutas. Não vivemos numa sociedade harmônica. A escola antiga era mais rígida e mais presa a esse modelo disciplinar mais tradicional. A partir dos anos 60, vivemos uma transformação das instituições, que tem um lado positivo importante, de crítica a essa estrutura hierárquica rígida, em que o saber está de um lado, e as faltas estão de outro. Esse filme é bonito porque mostra o esforço dos professores de uma escola da periferia de Paris, cuja maioria dos alunos é de filhos de imigrantes, pessoas pobres sem o mesmo acesso à sociedade francesa, para compreender esses meninos, dialogar com eles.
Escola e família tinham modelos de autoridade que foram superados. Mas depois disso não se chegou a novos modelos que conseguissem legitimar-se.

A autoridade não está assegurada a priori por regimentos, por normatização, por um diploma ou por um cargo de autoridade. As famílias têm tido dificuldade de exercer essa autoridade sobre os jovens e crianças porque, para construí-la, é preciso ser um sujeito consistente, autônomo, ciente das próprias limitações. Os pais e famílias das classes mais pobres estão em condições de sobrevivência terríveis, que impedem qualquer forma de parar e pensar nos cuidados de seus filhos. E as famílias de classe média e média alta têm abandonado esse trabalho de construir sujeitos autônomos. Então, existe um problema que está nas margens mais elementares do tecido social. A autoridade é algo que se constrói nas relações, que não existe a priori, não existe modelo. É claro que antes as sociedades eram mais estáveis em termos de conflito social, como por exemplo o Brasil dos anos 50. Mas a custa de quê? De uma exclusão enorme de jovens e crianças.
Mas não lhe parece que os caminhos para essa construção não estão sendo encontrados?

O caminho não pode vir de uma política centralizada, imposta. Não conheço o programa que está sendo implantado no Estado de São Paulo, não li o manual. Parece uma tentativa nesse sentido, de achar estratégias que ajudem a construir esse sistema de autoridade para minimizar essa violência exacerbada.
Pela via da norma universal...

O problema é que essas políticas costumam ser planejadas em gabinetes, por especialistas. Fazem pesquisas que subsidiam as estratégias, mas existe pouca articulação com as bases, com quem terá de implementar a política e vive os problemas da violência em seu trabalho. Talvez uma das formas de construir melhor essas ações fosse permitir que as escolas e as comunidades pensem essas estratégias. Tudo bem haver cartilhas e manuais gerais que indiquem como agir em algumas situações ou que tragam alguns princípios e valores, mas só isso não funciona. As pessoas precisam estar realmente engajadas em um projeto. Uma das formas é o Estado disponibilizar recursos, estrutura, material para divulgação, ou seja, fornecer os meios, para que as comunidades locais construam os seus modos de atuação, tentando valorizar os recursos que têm. Quem vive na comunidade é que sabe por onde passa a violência em potencial. Mas não se trata de crítica ao programa de São Paulo, que não conheço.
Muitas cidades estão adotando o toque de recolher, tendo como justificativa a proteção de crianças e adolescentes. Como a senhora vê essa medida?

É impressionante como quando as coisas fogem ao controle se apela à medida repressiva. Temos de enfrentar a questão da violência, mas, quando a violência atinge de uma forma muito próxima, as pessoas normalmente pensam numa revanche. Ou seja, a resposta violenta contra a violência, como a pena de morte. O toque de recolher é uma espécie de policiamento da vida, da família, da população em geral. Caímos em outro conceito que Foucault desenvolveu que é o do biopoder, tipicamente uma estratégia de controle da vida urbana, da população. Tendo a ser contra esse tipo de medida. Primeiro porque não adianta nada. Não é botando hora para o adolescente estar em casa e aumentando o policiamento, ou levando para o Conselho Tutelar que se vai resolver a situação. Tornar o Conselho Tutelar cada vez mais policialesco não vai nos ajudar. Quem tem responsabilidade sobre as crianças e os jovens são os pais, isso é da nossa ordem social. Isso é que deve ser reforçado, e não um artifício como esse. Se o jovem está na rua se drogando, não é o toque de recolher que vai evitar que isso aconteça. Sou contra porque acho que atinge a liberdade de ir e vir de todo cidadão. Já existem leis e normatizações suficientes, não é preciso apelar para uma prática policialesca desse tipo.

domingo, 9 de agosto de 2009

ILUSÕES DO AMANHÃ


'Por que eu vivo procurando um motivo de viver,
Se a vida às vezes parece de mim esquecer?
Procuro em todas, mas todas não são você.
Eu quero apenas viver, se não for para mim, que seja pra você.
Mas às vezes você parece me ignorar,
Sem nem ao menos me olhar,
Me machucando pra valer.
Atrás dos meus sonhos eu vou correr.
Eu vou me achar, pra mais tarde em você me perder.
Se a vida dá presente pra cada um, o meu, cadê?
Será que esse mundo tem jeito?
Esse mundo cheio de preconceito.
Quando estou só, preso na minha solidão,
Juntando pedaços de mim que caíam ao chão,
Juro que às vezes nem ao menos sei, quem sou.
Talvez eu seja um tolo, que acredita num sonho.
Na procura de te esquecer, eu fiz brotar a flor.
Para carregar junto ao peito,
E crer que esse mundo ainda tem jeito.
E como príncipe sonhador...
Sou um tolo que acredita, ainda, no amor.'

PRÍNCIPE POETA (Alexandre Lemos - APAE)

Este poema foi escrito por um aluno da APAE, chamado, pela sociedade, de excepcional. Excepcional é a sua sensibilidade!
Ele tem 28 anos, com idade mental de 15 e peço que divulguem para prestigiá-lo. Se uma pessoa assim acredita tanto, porque as que se dizem normais não acreditam?

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

ESCLARECIMENTO


Exma. Senhora Governadora do Estado do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius


O Movimento Pela Abertura dos Arquivos da Ditadura toma a iniciativa de escrever-lhe esta carta, em referência ao cartaz que a senhora escreveu ontem pela manhã, dia 16 de julho de 2009, e apresentou aos fotógrafos de órgãos de imprensa de todo o país. A sua declaração, de que aquelas pessoas que ali estavam não eram professores, mas "torturadores", atinge não somente aqueles professores, que estão em seu pleno direito de reivindicar melhores salários e condições de trabalho, mas também todos os cidadãos brasileiros, vítimas diretas ou indiretas dos crimes cometidos por torturadores ao longo da história do Brasil. A utilização deste termo é uma prova da total falta de conhecimento histórico da senhora, e mais: um grande desrespeito à memória do país, que recentemente passou por um período de ditadura, não só militar, mas com contribuição de muitos civis, muitos hoje acusados de terem, esses sim, torturado pessoas. Com sua declaração, a senhora ignorou totalmente a carga histórica que o conceito de "torturador" carrega. A senhora já ouviu o depoimento de alguém que tenha sofrido, verdadeiramente, uma tortura? Estas pessoas merecem o nosso respeito, o que não observamos na sua atitude. Isso corrobora para o que estamos chamando atenção há tempos: a utilização inadequada de adjetivos, sem conhecer seu teor histórico, sem valor explicativo, e usado de forma pejorativa e impune. Isso acontece, também, com o conceito de "terrorista", que é utilizado para a luta armada brasileira, mas nunca atribuído às ações do aparato repressivo do Estado - ainda não desmontado, julgado e condenado - e com grupos para-militares, como o CCC, sigla que ainda hoje circula na sociedade brasileira, e é lembrada como o grande grupo que combatia o comunismo, sem saber de fato o que aquele grupo fez no Brasil. A sua atitude se assemelha à dos torturadores e repressores, na medida em que, assim como as balas, as palavras ferem, e vêm justamente do lugar que deveria tomar conta de todos os cidadãos, independente de posicionamento político: o Estado. A senhora comparou uma classe trabalhadora, que exercia um direito que fora suprimido por mais de 20 anos, àquelesresponsáveis pela supressão do mesmo. Comparou-os a pessoas que cometeram crimes, e que estão por aí, impunes. Isto, senhora governadora, é considerado calúnia, segundo as leis do Estado que a senhora representa.A senhora sentiu-se intimidada pela manifestação que impediu o direito de ir e vir de seus netos. A senhora sabe que durante os anos 1960, 1970 e 1980, vigoraram no Cone Sul ditaduras civil-militares que sequestraram, torturaram,desapareceram, mataram e apropriaram-se de crianças? Na Argentina, por exemplo, há mais de 500 crianças desaparecidas. Apenas 91 tiveram sua identidade restituída. A senhora sabe como isto foi feito? Através de lutas, confrontos, manifestações, como esta, que se realizava em frente a sua residência. Seus netos, senhora governadora, provavelmente não saibam o estado em que se encontra a educação pública no Rio Grande do Sul, pois devem frequentar os melhores e mais caros colégios em Porto Alegre. Seus netos não devemfazer idéia do que seja passar trimestres, às vezes anos, sem uma disciplina, por falta de professor; ou estudarem em turmas com 50 alunos, por causa do enturmamento promovido pela senhora; ou enfrentarem as condições precárias em que se encontram muitas escolas; ou não possuírem uma boa educação por falta de recursos; ou encontraremprofessores desmotivados pela miséria que é paga todos os meses. Estes sim são torturados.Senhora governadora, por todos esses motivos expostos nós, do Movimento Pela Abertura dos Arquivos da Ditadura, escrevemos esta carta com o objetivo de solicitar uma retratação pública da senhora, em frente às câmeras de televisão,para com todos os cidadãos brasileiros, que de uma forma ou de outra, sabem exatamente o que significa o termo "torturado". Pedimos que a senhora tomasse essa atitude, em nome de todas as verdadeiras vítimas de crimes de tortura cometidos no Brasil, seja durante a ditadura civil-militar, seja ainda hoje em dia, pelo Estado.
Esta carta seguirá com cópia para órgãos de imprensa e endereços eletrônicos que quiserem publicá-la.

MOVIMENTO PELA ABERTURA DOS ARQUIVOS DA DITADURA-RS

Porto Alegre, Agosto de 2009