segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

É FIM DE ANO!



DEDUÇÃO X INDUÇÃO


Dedução é partir do geral para o particular.Por exemplo quando fala-se da lei da gravidade, reações químicas ou fórmulas geometricas estas devem ser aplicadas a todos os casos. Exemplo:

Todos os filósofos são chatos.

Kant é filósofo.

Kant é chato.

Indução é o contrário: ir do particular para o universal.Isso ocorre quando vemos algo ocorrer varias vezes e imaginamos que deve haver uma regra para isso.Ex:

Enfiar o dedo uma vez na tomada dá choque.

Enfiar o de novo na tomada também dá choque.

Sempre que eu enfiar o dedo na tomada dá choque.

Imagino que é 1 exemplo idiota, mas só lembrar do Homer fazendo a mesma cagada varias vezes. Ele não sabe fazer indução.

Fonte(s): Convite à filosofia. Marilena Chauí.págs 66-67

domingo, 20 de setembro de 2009

Imprensa Justa - Isaura Pötter


Hoje em dia, no Brasil e no mundo, obviamente existem muitos problemas dos mais variados tipos, como fome, violência, altos e baixos na economia, entre tantos outros.
Infelizmente nem tudo que acontece e preocupa é ressaltado e passado para a comunidade em geral de uma forma uniforme. Um problema muito afetado por isso é a questão da liberdade de imprensa, que muitas vezes nem é lembrado que existe. Se formos analisar o que vemos e ouvimos no decorrer do dia veremos o quanto os meios de comunicação estão de certa forma perdendo a sua ética de justiça.
Para termos um exemplo disto, basta ligarmos a televisão em uma edição de jornalismo que vemos o crime que o programa comete, eles tiram a sua matéria prima de pequenos delitos de pessoas de baixa renda, entrando em suas casas, assediando pessoas que estão assustadas e que não sabem lidar com tal situação e acabam dando testemunhos no desespero, as vezes de roubos que servem para satisfazer a necessidade pessoal e familiar, e talvez em muitos casos acabam sendo injustiçados.
Então, como garantir a liberdade de informação e evitar abusos nos meios de comunicação? O melhor seria que os responsáveis pela mídia tivessem mais respeito pela população, que ira formar um conceito errado em relação ao que realmenre aconteceu.
Mas como infelizmente nem todas as pessoas são de boa índole, resta à nós, confiarmos no serviço público que possui organizações que pretendem acompanhar o desempenho da mídia.

sábado, 12 de setembro de 2009

'TROQUE UM PARLAMENTAR POR 344 PROFESSORES'


Sou professor de história, de ensino médio de uma escola pública em uma cidade do interior do Rio Grande do Sul e gostaria de expor a você o meu salário bruto mensal: R$650,00. Eu fico com vergonha até de dizer, mas meu salário é R$650,00.
Isso mesmo!E olha que eu ganho mais que outros colegas de profissão que não possuem um curso superior como eu e recebem minguados R$ 440,00. Será que alguém acha que, com um salário assim, a rede de ensino poderá contar com professores competentes e dispostos a ensinar? Não querendo generalizar, pois ainda existem bons professores lecionando,atualmente a regra é essa:O professor faz de conta que dá aula, o aluno faz de conta que aprende, o Governo faz de conta que paga e a escola aprova o aluno mal preparado.
Incrível, mas é a pura verdade!Sinceramente, eu leciono porque sou um idealista e atualmente vejo a profissão como um trabalho social.Mas nessa semana, o soco que tomei na boca do estomago do meu idealismo foi duro!Descobri que um parlamentar brasileiro custa para o país R$10,2 milhões por ano.
São os parlamentares mais caros do mundo. Minuto trabalhado aqui custa ao contribuinte R$11.545.Na Itália, são gastos com parlamentares R$3,9 milhões;
na França, pouco mais de R$2,8 milhões;
na Espanha, cada parlamentar custa por ano R$850 mil e
na vizinha, Argentina, R$1,3 milhões.
Trocando em miúdos, um parlamentar custa ao país, por baixo, 688 professores com curso superior !
Diante dos fatos, gostaria muito, amigo, que você divulgasse minhacampanha, na qual o lema será:'TROQUE UM PARLAMENTAR POR 344 PROFESSORES'.

COMO VOCÊ VAI VOTAR DEPOIS DE LER ESTA MATÉRIA???

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Mesa com Lula - MOACYR SCLIAR, Zero Hora, 1°/9/09


Nunca antes na história deste país, houve um presidente que usasse com tanta frequência a expressão “nunca antes na história deste país”. Lula pode fazê-lo. De fato, sob muitos aspectos ele é diferente, a começar por sua constante e impressionante popularidade, uma fonte de irritação para os inimigos. Nada gruda nele, nenhuma crise, nenhuma acusação. Vilões são o Sarney, o Mercadante; Lula, não. Esta espécie de imunidade tem, contudo, uma explicação, a mesma, aliás, que gera as críticas provenientes da esquerda mais radical.
Lula não é um revolucionário. Talvez o tenha sido em sua juventude, mas, como ele mesmo diz, governar ensina lições, e a lição que aprendeu é exatamente esta: não dá para fazer uma revolução modelo soviético ou cubano no Brasil. Durante seu mandato, e durante o mandato dos que o precederam, o país evoluiu demais na direção de uma economia de mercado. Uma das consequências disso foi a emergência de uma crescente classe média abrangendo amplos setores do antigamente denominado proletariado. Resultado: aquela polarização entre uns poucos ricos e opressores patrões e uma massa de assalariados já não existe mais. Embolou o meio de campo. Embolou mesmo: a negociação política, social, cultural é cada vez mais complicada, tal a quantidade de atores se manifestando.
Lula é um soberbo negociador. E é um negociador por causa de seu passado sindicalista. O sindicato pode combater o capital, pode pressionar o capital para conceder mais aos trabalhadores, mas o sindicato não é contra o capitalismo. Não pode ser contra o capitalismo, porque, se não houvesse capitalismo, não haveria sindicato. A fórmula das sociedades atuais encontra-se na expressão americana: o grande capital, o grande governo, o grande sindicato. O governo aí é a incógnita. Para Marx, tratava-se de um claro instrumento do capital. Os sindicalistas modernos, no Brasil e em outros países, descobriram que não precisava ser assim. Eleições podem botar o sindicalismo no poder. Só que, ao invés de movimento sindical, é preciso fazê-lo através de um partido. Estes dois termos, movimento e partido, são muito eloquentes. O movimento se mexe, o movimento faz marchas, o movimento invade, o movimento quebra, o movimento incendeia. O partido, não. O partido, porque é partido, porque é uma fração da realidade política e social, precisa se compor, precisa formar alianças, mesmo que sejam, ou pareçam, espúrias. O partido negocia. E, ao negociar, tem de enfrentar as críticas daqueles que colocam a teoria acima da prática, os princípios acima do pragmatismo.
O grande símbolo dessa discussão é a mesa. Ao longo da história, a mesa representou papéis diferentes. No caso do cristianismo, aparece naquele que foi o evento fundador de uma nova crença: a Santa Ceia. Ali estava Cristo com seus apóstolos, inclusive o traidor Judas; ali introduziu a Eucaristia. Depois, a atitude em relação à mesa variou muito. O capitalismo faz mesas, o capitalismo vende mesas. Os revolucionários confiscam as mesas e declaram-nas propriedade do povo. Os terroristas viram as mesas, quebram as mesas, destroem as mesas. E os sindicalistas sentam à mesa, para nela colocarem suas reivindicações. A mesa em si serve muito bem para negociação: separa pessoas, coloca um obstáculo físico entre interlocutores, mas ao mesmo tempo fornece um território comum. E, se na mesa há uma refeição, como aconteceu no jantar em que Lula negociou o pré-sal com os governadores, é o ideal: o alimento acalma a agressividade.
A mesa. Nunca antes na história deste país, ela foi tão importante. A mesa de Lula que o diga.
***
A data de anúncio do acordo do pré-sal não poderia ser mais oportuna: é o fim de agosto, é o fim do desgosto, é a esperança de uma primavera risonha anunciada pela riqueza petrolífera. Oxalá dê certo.

sábado, 15 de agosto de 2009

As 865 bases militares dos EUA em 40 países! Mais sete na Colômbia?

No contexto do neopinochetismo hipocritamente tolerado por Washington em Honduras, agora resulta que a projetada instalação de sete bases militares dos Estados Unidos na Colômbia, que provocou massivo repúdio na América Latina, constitui a atualização de um novo acordo de segurança mediante o arrendamento das bases existentes com a finalidade filantrópica de combater a narcoguerrilha fronteiriça, segundo uma engenhosa interpretação de Obama exposta para um grupo de jornalistas hispanos (Reuters, 07/08/09), em vésperas da desarticulada cúpula do ASPAN em Guadalajara, onde o México não tem nada que fazer nem devia ter participado desde sua calamitosa gênese.
Ninguém aprende com a cabeça alheia e EUA repete os mesmos erros da URSS, com uma tríade de consequências devastadoras: sobreextensão imperial, guerra perpétua e insolvência, que levam a um provável colapso similar ao da anterior União Soviética, na opinião de Chalmers Johnson (Dez medidas para liquidar as bases militares dos EUA; Asia Times, 04/08/09).
Chalmers Johnson, professor emérito da Universidade da Califórnia (San Diego) e profícuo autor de livros notáveis, evidencia o império global potencialmente ruinoso de bases militares, que cadencia a longa dependência no imperialismo e no militarismo dos EUA em suas relações com outros países, além de "seu inchado establishment militar".
Paralelamente, Floyd Norris, analista financeiro e econômico do The New York Times (01/08/09), revela que o embarque de bens duradouros civis dos EUA caiu mais de 20% durante a recessão, o qual teria sido pior se não fosse a crescente produção de armas, que disparou 123% acima da média do ano 2000 (início do militarismo bushiano, que Obama incrementou com sua máscara de cordeiro sequestrado pelos lobos do Pentágono).
Norris comenta que EUA é primariamente uma economia civil, quando o "item militar representa ao redor de 8% de todos os bens duradouros (no ano 2000 foi 3%)"; porém, em nossa humilde opinião, é a uma economia preponderantemente militar, já que muitos segmentos de sua atividade civil se entrelaçam com seu substancial belicismo, como tem demonstrado SIPRI, o excelso instituto pacifista sueco.
Segundo o inventário do Pentágono, em 2008, citado por Johnson, o império dos EUA consiste em 865 instalações em mais de 40 países, com um deslocamento de mais de 190 mil soldados em mais de 46 países e territórios.
Johnson expõe o caso singular do Japão e a base de Okinawa (por certo, infestada por escândalos sexuais dos dissolutos militares estadunidenses que levam 64 anos ininterruptos de ocupação).
As sete bases militares adicionais dos EUA na Colômbia elevarão seu total planetário para 872, o qual não tem equivalente com nenhuma potência passada e presente. Literalmente, os Estados Unidos invadiram o mundo!
O mais relevante radica, na opinião de Johnson, em que tal ocupação é desnecessária para a genuína defesa dos EUA, além de provocar fricções com outros países e sua dispendiosa manutenção global (250 bilhões de dólares por ano, segundo Anita Dancs Foreign Policy in Focus): seu único propósito é oferecer aos EUA hegemonia, isto é, controle ou domínio sobre o maior número possível de países no planeta.
Na opinião de Johnson, Obama não percebeu que os EUA não têm mais a capacidade de exercer sua hegemonia global, enquanto exibe seu lastimoso poder econômico mutilado, quando os EUA se encontram em uma decadência sem precedentes.
Expressa três razões básicas para liquidar o império estadunidense: 1. Carece dos meios para um expansionismo de pós-guerra; 2. "Vai perder a guerra no Afeganistão, o qual aumentará ainda mais sua quebra"; 3. Acabar o vergonhoso segredo do império de nossas bases militares.

Propõe dez medidas:
1. Por fim ao severo dano ambiental causado pelas bases e pelo cesse do Acordo sobre o Estatuto dos Exércitos (SOFA, por suas siglas em inglês) que de antemão impede aos países anfitriões exercer sua jurisdição sobre os crimes perpetrados pelos soldados estadunidenses, isentos de toda culpabilidade (particularmente, a epidemia de violações sexuais nos paraísos militares).
2. Liquidação do império e aproveitar o custo de oportunidade para investir em campos mais criativos.
3. O anterior, indiretamente, frearia o abuso aos direitos humanos, já que o imperialismo engendra o uso da tortura, tão abundante no Iraque, no Afeganistão e na base de Guantanamo.
4. Recortar a inacabável lista de empregados civis e dependentes do Departamento de Defesa, dotado de seu luxuoso prédio (piscina, cursos de golfe, clubes, etc.).
5. Desmontar o mito, promovido pelo complexo militar-industrial, de sua valia na criação de empregos e na investigação científica, o qual tem sido desacreditado por uma investigação econômica séria.
6. "Como país democrático que respeita a si mesmo, EUA deve deixar de ser o maior exportador de armas e munições do mundo e deixar de educar os militares do Terceiro Mundo (v.gr. militares da América Latina na Escola das Américas, em Fort Benning, Geórgia) nas técnicas de tortura, golpes militares e serviço como instrumentos de nosso imperialismo".
7. Devido às limitações crescentes do orçamento federal, devem ser abolidos os programas que promovem o militarismo nas escolas, como o treinamento do Corpo de Oficiais da Reserva.
8. Restabelecer a disciplina e a prestação de contas nas forças armadas dos Estados Unidos, diminuindo radicalmente a dependência dos contratistas civis, das empresas militares privadas e dos agentes que trabalham para o exército fora da cadeia de comando e do Código de Uniforme da Justiça Militar. O livro de Jeremy Scahill Blackwater cita: A ascensão do exército mercenário mais poderoso (sic!) do mundo (Nation Books, 2007). A propósito, o holandês-estadunidense Eric Prince, fundador retirado de Blackwater e neocruzado da extrema direita cristã do Partido Republicano (muito próximo ao bushismo), acaba de ser implicado em um assassinato (The Nation; 04/08/09.
9. Reduzir o tamanho do exército dos EUA.
10. Cessar a dependência não apropriada na força militar como principal meio para tentar alcançar metas de política exterior.
Sua conclusão é realista: infelizmente, poucos impérios no passado abandonaram voluntariamente seus domínios para permanecer como entidades políticas independentes e autogovernadas. Os dois importantes e recentes exemplos são os impérios britânico e o soviético. Se não aprendemos com eles, nossa decadência e queda estarão predeterminadas.
Terá cura a fixação dos Estados Unidos ao militarismo por mais um século?

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Entrevista com Izabel Passos


Especialista na obra do filósofo francês Michel Foucault, sobre a qual publicou Poder, normalização e violência (Autêntica, 2008), a professora Izabel Friche Passos, da Universidade Federal de Minas Gerais, defende que é preciso separar a questão da violência no âmbito da educação em duas dimensões. Uma delas é inerente às relações entre educadores e estudantes; outra é oriunda de problemas sociais externos à escola e nela se manifestam. Avalia, ainda, que é possível um exercício do poder de forma menos controladora e mais construída em função dos interesses diversos que agem na escola. E recrimina a adoção do toque de recolher como forma de proteger os jovens. Leia, a seguir, a entrevista.

As escolas particulares fazem dos aparatos de segurança um diferencial de marketing. Agora, a rede pública paulista lançou um pacote que prevê, entre outras medidas, a instalação de 11 mil câmeras em escolas. A ideia do panóptico de Bentham está tomando o lugar disciplinar dos educadores?

Parece... Mas teríamos de ver a questão da violência nas escolas de duas maneiras, porque a questão talvez seja mais complexa. A primeira é do ponto de vista do interior da escola, as questões que aparecem para os educadores no cotidiano no interior da instituição educacional. Não é uma coisa nova. Esses confrontos que acontecem entre professores e alunos têm adquirido uma dimensão maior, mais evidente, mas é uma questão que está posta pelo próprio discurso da instituição, que é uma instituição disciplinar, normalizadora. Nesse sentido, o panóptico aparece como modelo idealizado de disciplina. Não que tivesse sido realizado por completo, como Bentham pensou para as prisões, para favorecer o olhar do vigia, de quem está ali controlando os prisioneiros. É uma estrutura circular, uma torre colocada no centro da prisão, em que quem está vigiando tem a visão de todas as celas, colocadas ao redor desse olho, continuamente acionado e fiscalizando o que se passa em todo o espaço prisional. Por isso é considerado um modelo de fiscalização e controle quase absoluto.
Sugerimos o paralelo porque, no panóptico, quem controla não está sendo visto e quem é controlado é visto o tempo todo.

Exatamente. Quem está sendo controlado não sabe se em algum momento não está sendo vigiado. É censurado continuamente. A tentativa de estar a par do controle é infrutífera para esse prisioneiro. É o modelo da disciplina absoluta, e a instituição escolar é disciplinar, conforme a teorização de Foucault sobre as instituições da modernidade. É o momento em que esse tipo de instituição prolifera: além da escola, a família torna-se cada vez mais disciplinar; o exército, configurado como uma instituição do Estado, armada; a prisão etc. Todas elas têm como base inicial o modelo dos conventos, das instituições religiosas. Por quê? O que se pretende das instituições sociais na modernidade? Normalizar os indivíduos, produzir indivíduos mais conformes às normas e aos valores sociais da sociedade. Essas instituições têm um papel fundamental de socialização e de normalização. Dada essa condição de instituição civilizadora da escola, vinculada à ordem social, os conflitos sociais se manifestam dentro dela - o preconceito de classe, de raça, as desigualdades sociais. As instituições disciplinares implicam uma hierarquização de poder e de saber, e os alunos nessa situação são submetidos ao poder da escola.
E qual o segundo ponto?

A escola também deve ser pensada como alvo de uma violência externa que a tem atingido de maneira exacerbada, num crescente que acompanha a violência urbana e social. Daí, talvez, a justificativa desse uso excessivo de câmeras, para tentar controlar a violência que tem invadido as escolas. É preciso diferenciar essa violência da relação de poder de normalização. A violência é uma coisa da ordem da destruição, do massacre, do desrespeito absoluto ao outro. Nesse caso, as escolas têm sido vítimas de uma violência proveniente do uso de drogas, do tráfico de armas, do pouco valor dado à vida humana nesse contexto. Situações e atos absurdos, com índices às vezes mais altos que aqueles de países em guerra.
Mas não é inerente ao exercício do poder no âmbito da escola que haja um sentido positivo, não restrito ao controle, que contemple o diálogo?

Quando falo de relações de poder e do papel civilizatório da instituição escolar, refiro-me exatamente a pensar o poder de uma outra maneira, não apenas como controle e subjugação, mas algo em que se baseiam todas as relações sociais. E que é positivo, porque não se produz nada se não houver certos limites, se não houver normas e regras. Nessa questão de se formar um cidadão está implícito um jogo de forças. O poder que é só negativo, que só controla, é pouco eficaz porque pressupõe um poder absoluto por parte de quem está submetendo o outro. E nas sociedades que se reinventaram na democracia, a partir da sociedade grega, o valor da liberdade, da igualdade entre os indivíduos é um valor básico. E é exatamente por isso que o poder disciplinar é o poder típico da sociedade moderna, pois pressupõe indivíduos livres e uma adesão desses indivíduos às normas. Não é uma questão de violência, de força bruta, como nos regimes absolutistas, totalitários, que são paradoxos da história, porque o poder disciplinar traz nele também a potência da deformação de seu exercício.
De que forma a senhora ilustraria o exercício desse poder positivo?

O filme Entre os muros da escola - que deveria ser visto por professores, pais e estudantes -, por exemplo, trata de uma questão do cotidiano que é o confronto entre professores e alunos. Aqueles adolescentes estão vivendo uma fase em que a agressividade é fundamental. O tempo todo eles confrontam a coerência do professor, os valores que tenta passar, reproduzir para os alunos. É uma forma de resistência salutar, pois é formadora. Não se trata de mera rebeldia, os estudantes estão tentando encontrar os seus referenciais morais e éticos para vida. Estão num momento de passagem para a idade adulta, e fazem isso por meio da contestação, de um teste dos valores que os adultos querem lhes impor. E há uma ética entre eles. Quando um aluno briga com o outro, eles se xingam. Mas na hora que aquele com quem ele briga é desafiado pelo professor, eles se aliam. É a ética do companheirismo, da camaradagem, em meio a um conflito geracional inevitável.
Mas no filme o universo do saber é posto em questão pelos alunos, que não veem utilidade na linguagem culta, tomando-a como um mero artifício de poder. A escola perdeu a capacidade de produzir discursos formadores de saber e indutores do prazer na relação com o conhecimento?

Será que algum dia ela teve esse poder dessa maneira? Desconfio de avaliações que dizem que o que estamos vivendo é consequência da falência das instituições. Segundo esse discurso, a escola estaria falida como instituição formadora, a família como referência moral. Será que a escola ou qualquer outra instituição consegue realizar de maneira tão harmônica os princípios a que se propõe? Porque a sociedade é cheia de conflitos, contradições e lutas. Não vivemos numa sociedade harmônica. A escola antiga era mais rígida e mais presa a esse modelo disciplinar mais tradicional. A partir dos anos 60, vivemos uma transformação das instituições, que tem um lado positivo importante, de crítica a essa estrutura hierárquica rígida, em que o saber está de um lado, e as faltas estão de outro. Esse filme é bonito porque mostra o esforço dos professores de uma escola da periferia de Paris, cuja maioria dos alunos é de filhos de imigrantes, pessoas pobres sem o mesmo acesso à sociedade francesa, para compreender esses meninos, dialogar com eles.
Escola e família tinham modelos de autoridade que foram superados. Mas depois disso não se chegou a novos modelos que conseguissem legitimar-se.

A autoridade não está assegurada a priori por regimentos, por normatização, por um diploma ou por um cargo de autoridade. As famílias têm tido dificuldade de exercer essa autoridade sobre os jovens e crianças porque, para construí-la, é preciso ser um sujeito consistente, autônomo, ciente das próprias limitações. Os pais e famílias das classes mais pobres estão em condições de sobrevivência terríveis, que impedem qualquer forma de parar e pensar nos cuidados de seus filhos. E as famílias de classe média e média alta têm abandonado esse trabalho de construir sujeitos autônomos. Então, existe um problema que está nas margens mais elementares do tecido social. A autoridade é algo que se constrói nas relações, que não existe a priori, não existe modelo. É claro que antes as sociedades eram mais estáveis em termos de conflito social, como por exemplo o Brasil dos anos 50. Mas a custa de quê? De uma exclusão enorme de jovens e crianças.
Mas não lhe parece que os caminhos para essa construção não estão sendo encontrados?

O caminho não pode vir de uma política centralizada, imposta. Não conheço o programa que está sendo implantado no Estado de São Paulo, não li o manual. Parece uma tentativa nesse sentido, de achar estratégias que ajudem a construir esse sistema de autoridade para minimizar essa violência exacerbada.
Pela via da norma universal...

O problema é que essas políticas costumam ser planejadas em gabinetes, por especialistas. Fazem pesquisas que subsidiam as estratégias, mas existe pouca articulação com as bases, com quem terá de implementar a política e vive os problemas da violência em seu trabalho. Talvez uma das formas de construir melhor essas ações fosse permitir que as escolas e as comunidades pensem essas estratégias. Tudo bem haver cartilhas e manuais gerais que indiquem como agir em algumas situações ou que tragam alguns princípios e valores, mas só isso não funciona. As pessoas precisam estar realmente engajadas em um projeto. Uma das formas é o Estado disponibilizar recursos, estrutura, material para divulgação, ou seja, fornecer os meios, para que as comunidades locais construam os seus modos de atuação, tentando valorizar os recursos que têm. Quem vive na comunidade é que sabe por onde passa a violência em potencial. Mas não se trata de crítica ao programa de São Paulo, que não conheço.
Muitas cidades estão adotando o toque de recolher, tendo como justificativa a proteção de crianças e adolescentes. Como a senhora vê essa medida?

É impressionante como quando as coisas fogem ao controle se apela à medida repressiva. Temos de enfrentar a questão da violência, mas, quando a violência atinge de uma forma muito próxima, as pessoas normalmente pensam numa revanche. Ou seja, a resposta violenta contra a violência, como a pena de morte. O toque de recolher é uma espécie de policiamento da vida, da família, da população em geral. Caímos em outro conceito que Foucault desenvolveu que é o do biopoder, tipicamente uma estratégia de controle da vida urbana, da população. Tendo a ser contra esse tipo de medida. Primeiro porque não adianta nada. Não é botando hora para o adolescente estar em casa e aumentando o policiamento, ou levando para o Conselho Tutelar que se vai resolver a situação. Tornar o Conselho Tutelar cada vez mais policialesco não vai nos ajudar. Quem tem responsabilidade sobre as crianças e os jovens são os pais, isso é da nossa ordem social. Isso é que deve ser reforçado, e não um artifício como esse. Se o jovem está na rua se drogando, não é o toque de recolher que vai evitar que isso aconteça. Sou contra porque acho que atinge a liberdade de ir e vir de todo cidadão. Já existem leis e normatizações suficientes, não é preciso apelar para uma prática policialesca desse tipo.

domingo, 9 de agosto de 2009

ILUSÕES DO AMANHÃ


'Por que eu vivo procurando um motivo de viver,
Se a vida às vezes parece de mim esquecer?
Procuro em todas, mas todas não são você.
Eu quero apenas viver, se não for para mim, que seja pra você.
Mas às vezes você parece me ignorar,
Sem nem ao menos me olhar,
Me machucando pra valer.
Atrás dos meus sonhos eu vou correr.
Eu vou me achar, pra mais tarde em você me perder.
Se a vida dá presente pra cada um, o meu, cadê?
Será que esse mundo tem jeito?
Esse mundo cheio de preconceito.
Quando estou só, preso na minha solidão,
Juntando pedaços de mim que caíam ao chão,
Juro que às vezes nem ao menos sei, quem sou.
Talvez eu seja um tolo, que acredita num sonho.
Na procura de te esquecer, eu fiz brotar a flor.
Para carregar junto ao peito,
E crer que esse mundo ainda tem jeito.
E como príncipe sonhador...
Sou um tolo que acredita, ainda, no amor.'

PRÍNCIPE POETA (Alexandre Lemos - APAE)

Este poema foi escrito por um aluno da APAE, chamado, pela sociedade, de excepcional. Excepcional é a sua sensibilidade!
Ele tem 28 anos, com idade mental de 15 e peço que divulguem para prestigiá-lo. Se uma pessoa assim acredita tanto, porque as que se dizem normais não acreditam?

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

ESCLARECIMENTO


Exma. Senhora Governadora do Estado do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius


O Movimento Pela Abertura dos Arquivos da Ditadura toma a iniciativa de escrever-lhe esta carta, em referência ao cartaz que a senhora escreveu ontem pela manhã, dia 16 de julho de 2009, e apresentou aos fotógrafos de órgãos de imprensa de todo o país. A sua declaração, de que aquelas pessoas que ali estavam não eram professores, mas "torturadores", atinge não somente aqueles professores, que estão em seu pleno direito de reivindicar melhores salários e condições de trabalho, mas também todos os cidadãos brasileiros, vítimas diretas ou indiretas dos crimes cometidos por torturadores ao longo da história do Brasil. A utilização deste termo é uma prova da total falta de conhecimento histórico da senhora, e mais: um grande desrespeito à memória do país, que recentemente passou por um período de ditadura, não só militar, mas com contribuição de muitos civis, muitos hoje acusados de terem, esses sim, torturado pessoas. Com sua declaração, a senhora ignorou totalmente a carga histórica que o conceito de "torturador" carrega. A senhora já ouviu o depoimento de alguém que tenha sofrido, verdadeiramente, uma tortura? Estas pessoas merecem o nosso respeito, o que não observamos na sua atitude. Isso corrobora para o que estamos chamando atenção há tempos: a utilização inadequada de adjetivos, sem conhecer seu teor histórico, sem valor explicativo, e usado de forma pejorativa e impune. Isso acontece, também, com o conceito de "terrorista", que é utilizado para a luta armada brasileira, mas nunca atribuído às ações do aparato repressivo do Estado - ainda não desmontado, julgado e condenado - e com grupos para-militares, como o CCC, sigla que ainda hoje circula na sociedade brasileira, e é lembrada como o grande grupo que combatia o comunismo, sem saber de fato o que aquele grupo fez no Brasil. A sua atitude se assemelha à dos torturadores e repressores, na medida em que, assim como as balas, as palavras ferem, e vêm justamente do lugar que deveria tomar conta de todos os cidadãos, independente de posicionamento político: o Estado. A senhora comparou uma classe trabalhadora, que exercia um direito que fora suprimido por mais de 20 anos, àquelesresponsáveis pela supressão do mesmo. Comparou-os a pessoas que cometeram crimes, e que estão por aí, impunes. Isto, senhora governadora, é considerado calúnia, segundo as leis do Estado que a senhora representa.A senhora sentiu-se intimidada pela manifestação que impediu o direito de ir e vir de seus netos. A senhora sabe que durante os anos 1960, 1970 e 1980, vigoraram no Cone Sul ditaduras civil-militares que sequestraram, torturaram,desapareceram, mataram e apropriaram-se de crianças? Na Argentina, por exemplo, há mais de 500 crianças desaparecidas. Apenas 91 tiveram sua identidade restituída. A senhora sabe como isto foi feito? Através de lutas, confrontos, manifestações, como esta, que se realizava em frente a sua residência. Seus netos, senhora governadora, provavelmente não saibam o estado em que se encontra a educação pública no Rio Grande do Sul, pois devem frequentar os melhores e mais caros colégios em Porto Alegre. Seus netos não devemfazer idéia do que seja passar trimestres, às vezes anos, sem uma disciplina, por falta de professor; ou estudarem em turmas com 50 alunos, por causa do enturmamento promovido pela senhora; ou enfrentarem as condições precárias em que se encontram muitas escolas; ou não possuírem uma boa educação por falta de recursos; ou encontraremprofessores desmotivados pela miséria que é paga todos os meses. Estes sim são torturados.Senhora governadora, por todos esses motivos expostos nós, do Movimento Pela Abertura dos Arquivos da Ditadura, escrevemos esta carta com o objetivo de solicitar uma retratação pública da senhora, em frente às câmeras de televisão,para com todos os cidadãos brasileiros, que de uma forma ou de outra, sabem exatamente o que significa o termo "torturado". Pedimos que a senhora tomasse essa atitude, em nome de todas as verdadeiras vítimas de crimes de tortura cometidos no Brasil, seja durante a ditadura civil-militar, seja ainda hoje em dia, pelo Estado.
Esta carta seguirá com cópia para órgãos de imprensa e endereços eletrônicos que quiserem publicá-la.

MOVIMENTO PELA ABERTURA DOS ARQUIVOS DA DITADURA-RS

Porto Alegre, Agosto de 2009

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Poema do fim




Eram seis horas da tarde.No sol que morria lento,A praia procurava aconchegoComo quem se esqueceuDe sonhar.Um toco de cigarro ainda arde Abandonado no frio vento.Todo movimento eu nego - Procuro a lua que não nasceu,No mar.Era a noite fresca que se anunciava?Que tristeza larga e sombria Era aquela? Via-se de longeA solidão das ondas e as avesA voar... E a escuridão ali e acolá pousava,O sol, ainda escaldante, morria,Como um cintilante e nobre monge Que carregava, seriamente, as chavesDo lembrar...Mas no firmamento doce e sutil Inda não se via a piedosa dama Com seu sorriso apaixonante- Por quem que ela sorri? -A brilhar.Tudo fora, no final das contas, inútil...Deitei-me n'areia - o chão como cama -E o laranja findou-se, vigilante:Finalmente, eu também morriDe tanto amar...

Poeminha....


Eu sou pouco.Eu sou triste.Eu sou vazio,E os dias andam lentos.Eu sou sério.Eu sou calado.Eu sou só saudade.E tu, não tens pena de mim?Te lembras? Parece que foi ontem.Eu era feliz.Eu era gente.Eu era.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

América Latina bipolar: os movimentos se movem


Está em curso na América Latina uma contra-ofensiva articulada pelos Estados Unidos, misturando estratégias da Aliança para o Progresso com uma política de criminalização dos movimentos sociais. Esse processo de criminalização é ainda mais forte contra as comunidades indígenas, como vemos no Peru, no Chile e na Bolívia. A análise é do sociólogo Boaventura de Sousa Santos.
A América Latina é peça-chave nas estratégias das empresas transnacionais e dos governos do Norte global. A expansão do mercado transformou a água, os serviços de saúde e a educação em mercadoria. A mercantilização dos recursos naturais é fundamental para a acumulação de capital a médio prazo, colocando a biodiversidade enorme da América Latina no centro dos interesses.O processo de “refocalizar” a América Latina acelerou-se devido ao fracasso da guerra do Iraque. Os Estados Unidos perceberam que, durante sua relativa ausência, gestaram-se mudanças e os processos sociais avançaram fora de seu controle, resultando em governos progressistas e movimentos sociais fortes que chegaram ao poder através da democracia, sendo que os Estados Unidos usam o discurso da democracia para justificar suas intervenções.Neste cenário, está se desenvolvendo uma nova contra-insurgência, mistura das estratégias da Aliança para o Progresso e uma política de divisão dos movimentos, especificamente o indígena. O protesto é criminalizado de maneira brutal e a militarização torna-se mais profunda. Incapaz de conquistar apoio popular, o neoliberalismo tenta substituir “desenvolvimento” e “democracia” por “controle” e “segurança”.Isto é conseqüência do aprofundamento da exclusão social, da miséria e da desigualdade, o que implica na emergência de um fenômeno de fascismo social. Não um regime político, mas uma forma de sociabilidade onde alguns têm capacidade de veto sobre a vida de outros. Corremos o risco de viver em sociedades politicamente democráticas, mas socialmente fascistas.O melhor exemplo desta lógica é o doloroso aumento da fome no mundo, que mostra a contradição entre a vida e a ânsia de lucro. A emergência do fascismo social mostra que a modernidade, como projeto, está quebrada, porque não cumpriu suas promessas de liberdade, igualdade e solidariedade, e não irá cumpri-las.Surge, então, a contradição entre o paradigma da segurança e da luta contra o terrorismo e os Estados que reivindicam sua soberania, os movimentos sociais e, especificamente, as lutas dos povos indígenas. Nos territórios indígenas está 80% da biodiversidade latino-americana. Organizações como a Coordenadora Andina de Organizações Indígenas, a Confederação Nacional de Comunidades Afetadas pela Mineração do Peru e a Coordenadora Nacional de Ayllus e Marqas, são um perigo para o status quo.A criminalização da dissidência na América Latina é ainda mais forte contra os indígenas, como vemos no Peru e no Chile. Existe a intenção de transformar os indígenas nos terroristas do século XXI, como mostram os documentos da CIA. O uso das leis antiterroristas contra os dirigentes indígenas está baseado em uma descaracterização total do conceito de terrorismo, uma vez que isto significa atacar e causar danos a civis inocentes. No caso das lutas indígenas, são ataques contra a propriedade privada para defender outra propriedade, a comunitária e ancestral. Isto não cabe em nenhum conceito de terrorismo.A regionalização subnacional tem sido promovida pelo Banco Mundial em forma de descentralização, que apontou a desmembrar o Estado central através da transferência de responsabilidades para os níveis locais. Na Bolívia, existia uma descentralização dirigida pelas autonomias indígenas, a partir de uma visão política e cultural sólida, que permitiu que os indígenas ganhassem alguma coisa com as políticas de descentralização do BM.Mas a bandeira da descentralização foi assumida agora pelas oligarquias, em resposta à perda de controle do Estado central que elas sofreram. Eles sempre foram centralistas, mas agora levantam a bandeira da autonomia para defender seus privilégios econômicos. Isto gerou um problema político para o movimento indígena na Bolívia, que tem promovido a autonomia dos oprimidos, não dos opressores. A “autonomia” de Santa Cruz é ilegal sob a velha Constituição; uma nova está para ser aprovada. A decisão das autonomias caberia ao Congresso.Tenho defendido, na Bolívia, a diferenciação entre autonomias ancestrais e as da descentralização. Proponho entender as autonomias indígenas como extraterritoriais em relação às autonomias departamentais. Deveriam estar baseadas no controle total do seu território, fora da governabilidade descentralizada, uma vez que são anteriores ao processo de descentralização. Mas seria necessário fortalecer a institucionalidade indígena, que ainda é frágil, diante do poder das oligarquias bolivianas.O debate atual é perigoso, porque existem desejos recíprocos de enfrentamento armado. As oligarquias não querem deixar seus privilégios e os indígenas não vão deixar pacificamente que o país seja dividido. Seriam eles que defenderiam o país.A Colômbia e o Peru representam o status quo neoliberal e os Estados Unidos na região. São complementares. A Colômbia representa a lógica militar que busca conflitos e tensões, os quais criam condições para a militarização e a intervenção. No Peru, é promovida uma lógica similar, com forte criminalização das organizações sociais, um primeiro passo que prepara a militarização posterior. Existem indícios de que a base de Manta, no Equador, vai se mudar para a Amazônia peruana.Estamos entrando em uma fase histórica de polarização. De um lado, as políticas de mercantilização buscarão livre acesso aos recursos naturais e a continuidade dos privilégios das elites. Do outro, existe um imaginário radicalizado nas forças progressistas do continente, que desenvolveram concepções diferentes de democracia, desenvolvimento, direitos e sustentabilidade, compartilhadas por cada vez mais pessoas e organizações. As forças dominantes não podem mais cooptar este imaginário radical com suas propostas de proteção social. Por isso a repressão.O horizonte continua sendo a democracia e o socialismo, mas um socialismo novo; seu novo nome é democracia sem fim. A democracia radical é uma alternativa para duas idéias fundamentais. Não acredito que seja possível mudar o mundo sem tomar o poder, mas também não podemos mudar algo com o poder que existe hoje. Então, devemos mudar as lógicas do poder e, para isso, as lutas democráticas são cruciais e são radicais, por estarem fora das lógicas tradicionais da democracia. Devemos aprofundar a democracia em todas as dimensões da vida. Da cama até o Estado, como dizem as feministas. Mas também com as gerações futuras e com a natureza, o que é urgente para deter a destruição do planeta.Nosso objetivo é sair de uma democracia tutelada, restrita, de baixa intensidade, para chegar a uma democracia de alta intensidade, que torne o mundo cada vez menos confortável para o neoliberalismo. Mas a realidade não muda espontaneamente. Em política, para fazer algo é preciso ter razão a tempo, no momento oportuno; e ter força para impor essa razão.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Famintos e Sedentos


Junte as transnacionais dos alimentos com sua transgenia, os técnicos e cientistas a seu serviço, os políticos, a FAO e sempre teremos a promessa de que a fome será superada. Estabeleceram metas para esse milênio e uma multidão de ONGs se puseram também em busca desse objetivo. Eu mesmo sou membro da FIAN, entidade internacional que luta pelo direito humano à alimentação.
Entretanto, esses dias ficamos sabendo que os famintos do mundo saltaram de 830 milhões para mais de 1 bilhão de pessoas em pouco mais de um ano. A FAO não teve nenhuma dúvida em creditar aos agrocombustíveis 75% de responsabilidade nesse aumento.
Em interconexão direta com a fome estão os sedentos. Mais de 1,2 bilhões de pessoas em todo o planeta não tem água potável para beber todos os dias. A água, fonte de vida, torna-se fonte de mortes. Uma em cada quatro internações hospitalares provém de doenças veiculadas por água contaminada. A foto que corre a internet, com um menino africano bebendo urina diretamente na vagina de uma vaca, anula qualquer palavra. O curioso é que 70% da água doce do planeta são utilizados para produzir alimentos. É para uma elite restrita da humanidade que não pode enfrentar sazonalidade na produção de alimentos, como as uvas e mangas aqui do São Francisco, com duas ou três safras ao ano.
O avanço dos agrocombutíveis e as mudanças climáticas só farão agravar essas estatísticas. Acontece que cada número é uma pessoa humana, um universo único e irrepetível. Cada pessoa tem sua própria dignidade, seus pavores, oriundos da fome, da falta de perspectiva, da morte que se avizinha sem que tenha de fato passado pela vida.
O sistema mundial de abastecimento já se mostra fracassado, mas deverá desabar com as mudanças climáticas. A redução da humanidade pela fome e pela sede – com todas as doenças que vêm juntas – já é realidade para bilhões de pessoas e se avizinha como a maior catástrofe já enfrentada pela humanidade.
O Brasil reduziu seus famintos com pequenas medidas, como o bolsa família e a aposentadoria dos rurais. A sede tem sido diminuída pelas cisternas e outras pequenas obras hídricas. Portanto, é possível superar a fome e a sede, mas é preciso disposição política. Entretanto, o governo brasileiro patrocina os agrocombustíveis na África e na América Central, além do Brasil, substituindo populações produtoras de alimentos por espaços de produção de energia para carros. O Brasil tem parte nessa conta macabra.
Como na questão ambiental, assim também na fome e na sede, temos ganho algumas batalhas, mas vamos perdendo a guerra.

domingo, 7 de junho de 2009

PASSEIO SOCRÁTICO - Frei Betto


Ao visitar em agosto a admirável obra social de Carlinhos Brown, no Candeal, em Salvador, ouvi-o contar que na infância, vivida ali na pobreza, ele não conheceu a fome. Havia sempre um pouco de farinha, feijão, frutas e hortaliças. "Quem trouxe a fome foi a geladeira", disse. O eletrodoméstico impôs à família a necessidade do supérfluo: refrigerantes, sorvetes etc. A economia de mercado, centrada no lucro e não nos direitos da população, nos submete ao consumo de símbolos. O valor simbólico da mercadoria figura acima de sua utilidade. Assim, a fome a que se refere Carlinhos Brown é inelutavelmente insaciável. É próprio do humano - e nisso também nos diferenciamos dos animais - manipular o alimento que ingere. A refeição exige preparo, criatividade, e a cozinha é laboratório culinário, como a mesa é missa, no sentido litúrgico. A ingestão de alimentos por um gato ou cachorro é um atavismo desprovido de arte. Entre humanos, comer exige um mínimo de cerimônia: sentar à mesa coberta pela toalha, usar talheres, apresentar os pratos com esmero e, sobretudo, desfrutar da companhia de outros comensais. Trata-se de um ritual que possui rubricas indeléveis. Parece-me desumano comer de pé ou sozinho, retirando o alimento diretamente da panela. Marx já havia se dado conta do peso da geladeira. Nos "Manuscritos econômicos e filosóficos" (1844), ele constata que, "o valor que cada um possui aos olhos do outro é o valor de seus respectivos bens. Portanto, em si o homem não tem valor para nós. "O capitalismo de tal modo desumaniza que já não somos apenas consumidores, somos também consumidos. As mercadorias que me revestem e os bens simbólicos que me cercam é que determinam meu valor social. Desprovido ou despojado deles, perco o valor, condenado ao mundo ignaro da pobreza e à cultura da exclusão. Para o povo maori da Nova Zelândia cada coisa, e não apenas as pessoas, têm alma. Em comunidades tradicionais de África também se encontra essa interação matéria-espírito. Ora, se dizem a nós que um aborígene cultua uma árvore ou pedra, um totem ou ave, com certeza faremos um olhar de desdém. Mas quantos de nós não cultuam o próprio carro, um determinado vinho guardado na adega, uma jóia? Assim como um objeto se associa a seu dono nas comunidades tribais, na sociedade de consumo o mesmo ocorre sob a sofisticada égide da grife. Não se compra um vestido, compra-se um Gaultier; não se adquire um carro, e sim uma Ferrari; não se bebe um vinho, mas um Château Margaux. A roupa pode ser a mais horrorosa possível, porém se traz a assinatura de um famoso estilista a gata borralheira transforma-se em cinderela... Somos consumidos pelas mercadorias na medida em que essa cultura neoliberal nos faz acreditar que delas emana uma energia que nos cobre como uma bendita unção, a de que pertencemos ao mundo dos eleitos, dos ricos, do poder. Pois a avassaladora indústria do consumismo imprime aos objetos uma aura, um espírito, que nos transfigura quando neles tocamos. E se somos privados desse privilégio, o sentimento de exclusão causa frustração, depressão, infelicidade. Não importa que a pessoa seja imbecil. Revestida de objetos cobiçados, é alçada ao altar dos incensados pela inveja alheia. Ela se torna também objeto, confundida com seus apetrechos e tudo mais que carrega nela, mas, não é ela: bens, cifrões, cargos etc. Comércio deriva de "com mercê", com troca. Hoje as relações de consumo são desprovidas de troca, impessoais, não mais mediatizadas pelas pessoas. Outrora, a quitanda, o boteco, a mercearia, criavam vínculos entre o vendedor e o comprador, e também constituíam o espaço das relações de vizinhança, como ainda ocorre na feira. Agora o supermercado suprime a presença humana. Lá está a gôndola abarrotada de produtos sedutoramente embalados. Ali, a frustração da falta de convívio é compensada pelo consumo supérfluo. "Nada poderia ser maior que a sedução" - diz Jean Baudrillard - "nem mesmo a ordem que a destrói." E a sedução ganha seu supremo canal na compra pela internet. Sem sair da cadeira o consumidor faz chegar à sua casa todos os produtos que deseja. Vou com freqüência a livrarias de shoppings. Ao passar diante das lojas e contemplar os veneráveis objetos de consumo, vendedores se acercam indagando se necessito algo. "Não, obrigado. Estou apenas fazendo um passeio socrático", respondo. Olham-me intrigados. Então explico: Sócrates era um filósofo grego que viveu séculos antes de Cristo. Também gostava de passear pelas ruas comerciais de Atenas. E, assediado por vendedores como vocês, respondia: "Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz".

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

CRÔNICA DO TEMPO


Antigamente, o mundo era mais fácil. Não sei se a verdade era simplesmente essa, ou se vemos a vida sob um prisma mais colorido quando somos crianças, mas o mundo era mais fácil, mais simples. Até mesmo as minhas memórias eram mais claras: eu não esquecia de nada importante, e não lembrava de nada que não fosse necessário lembrar. Hoje, pouco me resta. Somente as imagens mais marcantes me voltam à mente.Lembro-me de minha casa, naquela rua cheia de nuvens e cheia de vida, onde o homem do algodão-doce passava pontualmente às dez horas da manhã de todo o dia. Naquela época eu acordava cedo. Tinha um mundo ao redor que me encantava. Dormir seria um desperdício inconcebível, inimaginável, intangível. Dificilmente meus pais tinham dinheiro sobrando para que eu podesse comer algodão-doce mas, algumas vezes, minha avó me dava alguns trocados. Ninharias que sobravam de sua aposentadoria parca - e que hoje percebo o quanto era suada. Tínhamos um pátio grande nos fundos de casa, de forma que era lá que eu passava a maior parte do tempo. Sempre tive amigos, mas meu passatempo predileto era brincar sozinho, escondido com meus bonecos, entre as goiabeiras e laranjeiras, entre as formigas e cigarras do jardim. Nunca tive nojo: os sapos e tatuzinhos eram minha diversão predileta... A vida era fácil...As coisas mudaram um pouco de figura depois de algum tempo. Aos dez anos - segundo meu pai - eu já era um homem, e precisava entender o valor das coisas, as desgraças do mundo. A situação só se agravou com a morte de minha mãe e de minha avó - uma morta pelo câncer e outra pelo desgosto. Meu pai resolveu que teria de vender "esta casa que nos machuca com suas memórias inúteis". Resolveu que teria de se mudar em busca de emprego, e resolveu que eu era um peso mais morto que minha mãe. Conclusão: fui atirado em um colégio interno, do qual só fui sair depois de muitos anos.Hoje tudo é muito diferente. Sempre fui sereno demais para odiar alguém - como meu pai, por exemplo. Sempre fui muito sereno para querer buscar algum sentido oculto no final das coisas. Hoje, se me olho no espelho, enxergo meu pai e nego minha mãe. Nego minha infância. O mundo perdeu a cor. Eu olho para as pessoas e só vejo esquilos que nunca cessam a busca por nozes para o estoque do inverno onipresente que nos cerca. E o problema é que - mesmo depois de todo o trabalho que temos, organizando tudo - morremos sem poder gozar de nada. Morremos sem sentir o sabor das nozes que nós mesmos catamos. E depois, Puff. Acaba. E não me venha com essa de deus e paraíso. Eu já tentei, mas simplesmente não posso me obrigar a ter fé. E, por isso, o mundo se torna um lugar cinza, débil e insignificante.Cá estou agora, dentro de um apartamento mais imundo do que a minha cabeça, bebendo mais do que respirando. Passando os dias em um estado de dormência mais profunda que a morte. E mesmo assim, nada se resolve. Então eu canto. A formiga, afinal de contas, só trabalha por não saber cantar.Ah, e se o mundo fosse feito só de insetos, só de cigarras, voltaria a ser colorido? Não. Ridiculamente, algo ainda nos encomodaria. Nós somos o nosso maior problema...