sábado, 2 de outubro de 2010

A PEDAGOGIA DE JEROME BRUNER

Jerome Bruner
Bruner apelida a sua teoria de instrumentalismo evolucionista, uma vez que, para o psicólogo e pedagogo norte-americano, o homem depende das técnicas para a realização da sua própria humanidade. Embora, à semelhança de Jean Piaget, coloque a maturação e a interação do sujeito com o ambiente no centro do processo de desenvolvimento e de formação da pessoa, Bruner acentua o caráter contextual dos fatos psicológicos. A abertura à influência do contexto e do social no processo de desenvolvimento e de formação torna a teoria de Jerome Bruner mais abrangente do que a teoria de Jean Piaget e fazem com que aquele consiga incorporar a transmissão social, o processo de identificação e a imitação no processo de desenvolvimento e formação. O caráter desenvolvimentista da teoria de Bruner mantém-se graças à tônica que ele coloca no papel da equilibração, ou seja, a capacidade que cada pessoa tem de se auto-regular.
Um outro aspecto que diferencia a teoria de Bruner da teoria de Piaget é o papel que o primeiro concede à cultura, à linguagem e às técnicas como meios que possibilitam a emergência de modos de representação, levando-o a afirmar que o desenvolvimento cognitivo será tanto mais rápido quanto melhor for o acesso da pessoa a um meio cultural rico e estimulante. O papel que Bruner concede à linguagem no processo de desenvolvimento e de formação obriga-nos, também, a diferenciar o seu pensamento da teoria do epistemólogo genebrino. Para Bruner, à semelhança de Chomsky, a linguagem tem um papel amplificador das competências cognitivas da criança, ajudando-a a uma maior interação com o meio cultural.
A teoria de Bruner incorpora, de uma forma coerente, quer as contribuições do maturacionismo quer os contributos do ambientalismo, pois é através de uns e de outros que a criança organiza os diferentes modos de representação da realidade, utilizando as técnicas que a sua cultura lhe transmite. O desenvolvimento cognitivo da criança depende da utilização de técnicas de elaboração da informação, com o fim de codificar a experiência, tendo em conta os vários sistemas de representação ao seu dispor. Bruner, à semelhança de Piaget, procurou tipificar o desenvolvimento cognitivo numa série de etapas: até aos 3 anos de idade, a criança passa pelo estádio das respostas motoras, dos 3 aos 9 anos, faz uso da representação icônica, e a partir dos 10 anos de idade, acede ao estádio da representação simbólica. No primeiro estádio, a criança representa os acontecimentos passados através de respostas motoras apropriadas e privilegia a ação como forma de representação do real, sendo por isso que a criança dessa faixa etária aprende, sobretudo, através da manipulação de objetos. Nesta fase, a criança age com base em mecanismos reflexos, simples e condicionados até conseguir desenvolver automatismos. A segunda etapa, a representação icônica, baseia-se na organização visual, no uso de imagens sinópticas e na organização de percepções e imagens. A criança é capaz de reproduzir objetos, mas está fortemente dependente de uma memória visual, concreta e específica. A terceira etapa, a representação simbólica, constitui a forma mais elaborada de representação da realidade porque a criança começa a ser capaz de representar a realidade através de uma linguagem simbólica, de carácter abstrato e sem uma dependência direta da realidade. Ao entrar nesta etapa, a pessoa começa a ser capaz de manejar os símbolos em ordem não só a fazer a sua leitura da realidade mas também a transformar a realidade. A passagem por cada uma destas três etapas pode ser acelerada através da imersão da criança num meio cultural e linguístico rico e estimulante. Da sua vasta obra, é possível destacar os seguintes livros: Acts of Meaning, Harvard University Press, 1990; Actual Minds, Possible Words, Harvard University Press, 1986; On Knowing, Harvard University Press, 1979; The Process of Education, Harvard University Press, 1960; Toward a Theory of Instruction, Harvard University Press, 1966.

No livro Acts of Meaning, Bruner defende que a revolução cognitiva tem sido incapaz de revelar os mistérios da mente e tem oferecido propostas educacionais de alcance muito limitado, sendo necessário que a psicologia volte a acentuar o papel da cultura na formação da nossa linguagem e dos nossos pensamentos. Embora, neste livro, Bruner se aproxime de algumas propostas avançadas pelos teóricos da aprendizagem social, nomeadamente na importância dada aos contextos culturais no desenvolvimento do processo de aprendizagem e na crítica que estes têm feito à regidez dos estádios do desenvolvimento cognitivo, Bruner procura superar as limitações e a rigidez da teoria cognitivista, levando-a por caminhos de maior abrangência.

No livro Actual Minds, Possible Words, Bruner desenvolve uma síntese brilhante da psicologia, antropologia, sociologia e filosofia contemporâneas, abordando os limites do estruturalismo, do pragmatismo e do desconstrucionismo. Assuntos como o papel da narrativa no processo de aprendizagem e a relação entre o construtivismo cognitivo e a educação são, igualmente, abordados nesta obra. Bruner procede à crítica da abordagem experimentalista, chamando a atenção para o fato da diversidade e da profundidade do pensamento e da inteligência humanas não poderem ser reproduzidas em laboratório, antes necessitando do concurso das abordagens qualitativas e humanistas.

No livro On Knowing, Bruner oferece-nos um conjunto de ensaios curtos sobre diversos tópicos da psicologia e da educação. Assuntos como a educação para além da teoria de John Dewey, o ensino da Matemática, o controlo do comportamento e o papel da criatividade na construção do conhecimento, constituem o cerne desta coleção de ensaios. À semelhança das suas restantes obras, Bruner acentua a importância da descoberta no processo de construção do conhecimento e a relação entre o conhecimento e a ação.

No livro The Process of Education, Bruner apresenta uma teoria da aprendizagem, fortemente influenciada pela teoria cognitiva, mas ligada intimamente aos contextos culturais onde a aprendizagem ocorre. Este livro foi escrito na sequência das célebres conferências de Woods Hole, sobre reforma curricular, realizadas em 1959, sob a coordenação de Bruner. Central na teoria da aprendizagem apresentada por Bruner, neste livro, é a ideia de que é possível ensinar tudo aos alunos desde que se utilizem procedimentos adaptados aos estilos cognitivos e às necessidades dos alunos. Assuntos como a natureza da aprendizagem, a estrutura do conhecimento, e os meios pelos quais um e outro são adquiridos, constituem as grandes linhas de força desta obra.

No livro Toward a Theory of Instruction, Bruner desenvolve os tópicos discutidos na obra The Process of Education e apresenta, de uma forma estruturada, a sua teoria da aprendizagem.

A influência que o livro The Process of Education teve nas reformas curriculares, ocorridas nos EUA, na década de 60, foi enorme. Interessado, em primeiro lugar, no estudo dos processos de desenvolvimento psicológico e nos diferentes modos de pensamento, Bruner desenvolveu um conjunto de teorias sobre a aprendizagem, a linguagem, o currículo, a pedagogia e antropologia que tiveram uma enorme influência, nos EUA e na Europa, durante as décadas de 60, 70 e 80. A ligação de Bruner ao “Academic Reform Movement” coincidiu como um período da guerra fria caracterizado pela rivalidade científica entre os EUA e a Rússia Soviética, cujo ponto alto ocorreu com o lançamento do “Sputnik”, em 1956. A reação americana aos avanços soviéticos na corrida ao espaço teve um forte impacto na refroma curricular forte e visou reforçar o ensino das Ciências e da Matemática nas escolas básicas e secundárias. A teoria da aprendizagem de Bruner oferecia uma moldura inspiradora para tais reformas curriculares, não admirando, portanto, que o psicólogo de Harvard se visse envolvido nesse movimento de reforma curricular, desde o início. A obra The Process of Education, escrita na sequência das Conferências de Woods Hole, realizadas sob os auspícios da National Academy of Sciences, tornou-se a principal referência das reformas curriculares dessa época. Dos muitos projectos curriculares desenvolvidos no âmbito desse movimento, convém destacar dois pela influência que tiveram, respectivamente no ensino das Ciências Matemáticas e Naturais e no ensino das Ciências Sociais: Science – A Process Aproach e Man: A Course of Study.

Central na reforma curricular inspirada na teoria da aprendizagem de Bruner foi o reconhecimento do valor da ciência como a forma mais sofisticada do conhecimento humano e, em consequência, o relevo que o ensino das matérias científicas deveria ter no currículo escolar. Perante o avanço rápido das Ciências, seria necessária uma abordagem diferente ao seu ensino. Em vez da exposição aos fatos, fenômenos e teorias, Bruner defendia a necessidade de os alunos compreenderem o próprio processo de descoberta científica, familiarizando-se com as metodologias das Ciências de modo a assimilarem os princípios e estruturas das diversas Ciências. Assim sendo, “os conceitos de estrutura, princípio fundamental e transferência são fundamentais e estão interligados na concepção teórica de Bruner” (Roldão, 1994: 61).

Um outro aspecto central na teoria da aprendizagem de Bruner é a importância concedida ao método da descoberta, com base na ideia de que o conhecimento da estrutura das disciplinas exige a utilização das metodologias das Ciências que suportam as várias disciplinas do currículo. Com esta ideia, Bruner faz a crítica da metodologias expositivas, considerando, ao invés, que a aprendizagem das Ciências se faz melhor através do envolvimento dos alunos no processo de descoberta e no uso das metodologias científicas próprias de cada ciência: “Julgamos que, logo de início, o aluno deve poder resolver problemas, conjecturar, discutir da mesma maneira que se faz no campo científico da disciplina” (Bruner, 1965: 1014).

Um outro importante contributo teórico de Bruner para a teoria da aprendizagem são os conceitos de prontidão e de aprendizagem em espiral, desenvolvidos ao longo do livro The Process of Education. No essencial, o conceito de prontidão pode ser enunciado da seguinte forma: as bases essenciais de qualquer disciplina científica podem ser ensinadas em qualquer idade de forma genuína. Ao contrário de Piaget, o psicólogo de Harvard não via qualquer obstáculo de ordem cognitiva e desenvolvimental ao ensino das Ciências com crianças pequenas. O conceito de aprendizagem em espiral pode enunciar-se da seguinte forma: qualquer ciência pode ser ensinada, pelo menos nas suas formas mais simples, a alunos de todas as idades, uma vez que os mesmos tópicos serão, posteriormente, retomados e aprofundados mais tarde. Piaget nunca aceitou pacificamente esta tese de Bruner, tendo havido alguma controvérsia, sobre esta matéria, entre Bruner e alguns piagetianos ortodoxos. Explicitando as diferenças teóricas entre Bruner e Piaget face ao currículo em espiral e ao conceito de prontidão, Roldão (1994: 63) afirma: “O currículo em espiral de Bruner é, segundo este autor, fundamentado pela caracterização do desenvolvimento dos estádios. No entanto, esta fundamentação é vista como uma orientação para adaptar estratégias de ensino aos diferentes modos de ver o mundo em diferentes idades e não para selecionar ou excluir conteúdos ou conceitos. Os desenvolvimentistas interpretam a teoria de modo diferente, relacionando a natureza e o nível da abstração dos conteúdos com os processos mentais que funcionam ou não num dado estádio. Dão especial importância à hierarquia dos estádios enquanto Bruner, apesar de ter também estabelecido uma sequência de estádios, se preocupa mais com a especificidade qualitativa da compreensão das crianças em cada fase”.

Decorrente quer da preferência pelo método da descoberta quer da teoria da aprendizagem em espiral, surge a proposta de organização dos curriculos e das práticas de ensino em torno do processo de reconstrução dos saberes científicos, através “da interiorização dos seus princípios e da tentativa de aplicação dos seus métodos” (Roldão, 1994: 64). Subjacente a esta teoria está a ideia de que o aluno que aprende Biologia é um pequeno biólogo, uma vez que o professor deve assegurar que ele utilize uma metodologia o mais próxima possível daquela que o cientista usa.

Bruner considera que as crianças possuem quatro características congênitas, por ele chamadas de predisposições que configuram o gosto de aprender. São elas: a curiosidade, a procura de competência, a reciprocidade e a narrativa. A curiosidade é uma característica facilmente observável em todas as crianças. Por ser tão comum, Bruner considera que a curiosidade é uma característica que define a espécie humana. A procura de competência também pode ser observada em todas as crianças, as quais procuram imitar o que os mais velhos fazem, com o objetivo de poderem reproduzir e recriar esses comportamentos e competências. A reciprocidade também é uma característica presente nos humanos. Envolve a profunda necessidade de responder aos outros e de operar, em conjunto com os outros, para alcançar objetivos comuns. Por fim, a narrativa, entendida como a predisposição para criar relatos e narrativas da nossa própria experiência, como objetivo de transmitir essa experiência aos outros. É a narrativa que permite a partilha das experiências, por isso, é tão importante no processo de aprendizagem. Com a narrativa torna-se possível a partilha de significados e de conceitos, de forma a alcançar modos de discurso que integrem as diferenças de significado e de interpretação.

Crítica

A introdução e generalização abusiva destas teses de Bruner, por parte dos construtores dos curriculos, durante as últimas décadas, levou a que muitos professores se tenham sentido pressionados para privilegiar o uso sistemático dos processos de pesquisa e da metodologia da descoberta, em prejuízo de uma maior equilíbrio e diversificação das metodologias, numa evidente desvalorização dos processos de transmissão de conhecimentos e dos métodos de aprendizagem por recepção. Como é evidente, uma aprendizagem de qualidade não pode prescindir nem de uns nem de outros e qualquer exclusivismo só pode provocar maus resultados. Roldão (1994: 65) referindo-se às limitações de uma aplicação mecânica para o desenvolvimento curricular da teoria de Bruner afirma: “Os métodos de pesquisa, que poderão ser certamente muito apropriados em inúmeras situações de ensino e aprendizagem, não deveriam ser, quanto a mim, limitados a uma suposta reprodução de uma abordagem empirista do método científico”. Ausubel (1978: 60) chamou a atenção para as desvantagens de uma sobrevalorização da experiência direta como processo de aprendizagem de conceitos, uma vez que a aplicação do método científico não é suficiente para aprender Ciências. Embora as críticas que Bruner formulou à rigidez da teoria dos estádios de desenvolvimento cognitivo de Piaget tenham ajudado a flexibilizar as propostas curriculares influenciadas pelas teorias cognitivas, a verdade é que a sua preferência pelo método da descoberta e a defesa que faz do aluno enquanto cientista colocam muitas limitações à aprendizagem dos fatos, noções e teorias, a qual se deve fazer, também, através de metodologias expositivas e da aprendizagem por recepção, sob pena da impossibilidade de cumprimento de programas, com as consequentes lacunas de informação.

Bibliografia

Ausubel, D. Novak, J. e Hanesian, H. (1978). Educational Psychology: A Cognitive View. Nova Iorque: Holt, Rinehart and Winston
Bruner, J. (1965 a). “The growth of mind”. American Psychologist, 20, 1007-1017
Bruner, J. (1965 b). “MACOS: Man, A course of study”. Educational Services Inc. Quarterly Report, Spring-Summer, 3-13
Bruner, J. (1964). On Knowing: Essays for the Left Hand. Cambridge. Harvard University Press
Bruner, J. (1960). The Process of Education. Cambridge. Harvard University Press
Bruner, J. (1966). Toward a Theory of Instruction. Cambridge. Harvard University Press
Bruner, J. (1986). Actual Minds, Possible Words. Cambridge. Harvard University Press
Marques, R.(1998). A Arte de Ensinar – Dos Clássicos aos Modelos Pedagógicos Contemporâneos. Lisboa: Plátano Editora
Roldão, M. C. (1994). O Pensamento Concreto da Criança: Uma Perspectiva a Questionar no Currículo. Lisboa. IIE


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