domingo, 12 de dezembro de 2010

NARCISISMO

A palavra Narciso, do ponto de vista etimológico, significa entorpecimento, torpor. Conta o mito que Liríope, uma ninfa, passeava pelas margens tranqüilas do rio Cefiso quando o rio, intrépido em sua energia sexual tomou-a para si. Liríope engravidou. Teve uma gestação penosa e indesejável. O parto entretanto, fora jubiloso, a criança a que ela dera a luz era de uma beleza inimaginável. O menino chamou-se Narciso e cresceu belo como jamais um ser humano conseguira ser. Impressionada com tanta beleza, Liríope procurou Tirésias, um cego que profetizava. Liríope queria saber quanto tempo viveria Narciso e qual o seu destino. Tirésias respondeu o seguinte: “Viverá enquanto não se deparar com sua própria imagem”.
Narciso cresceu. Tornou-se desejado pelas deusas, pelas ninfas e pelas jovens da Grécia inteira. Entre as grandes apaixonadas estava a ninfa Eco. Esta jovem ninfa foi, numa ocasião, friamente repelida por Narciso. Eco então se isolou e se fechou numa imensa solidão e acabou por transformar-se num rochedo capaz apenas de repetir os derradeiros sons do que se diz. As demais ninfas, revoltadas com a insensibilidade e frieza de Narciso, pediram vingança à deusa Nêmesis. Esta condenou-o a amar um amor impossível.
Então, num verão enquanto caçava, Narciso percebeu que estava sedento. Debruçou-se sobre uma fonte para mitigar a sede. Enquanto estava debruçado sobre o espelho das águas, viu-se. Viu a própria imagem refletida na água e então, não pôde mais sair dali: apaixonara-se pela própria imagem. Ali mesmo morreu e seu corpo, deu lugar a uma delicada flor amarela, cujo centro era circundado de pétalas brancas. Era o narciso.
O que o jovem Narciso amou foi a sua alma. É isso que se deseja dizer quando se fala no reflexo. Ele jamais pôde abandonar as águas paradas da fonte. Narciso cometeu o suicídio porque ao recusar-se a abandonar a fonte, deixou de comer (receber). O suicídio é explicito. O suicídio foi motivado pela desilusão: a imagem querida e amada que surge no reflexo não possuia equivalência no mundo real e objetivo. Assim são os narcisistas: pessoas perdidas em si mesmas. Não se trata de se acharem lindos apenas. Ser lindo e bonito é apenas uma parte do processo patológico desses indivíduos.
O narcisista é um sujeito que recria o mundo a partir de si próprio. Crê que pode bastar-se sozinho e assim, não precisa de ninguém, não ouve ninguém e, tudo o que pensa e diz é o que conta. O narcisista é o único e todo-poderoso pelo corpo e pelo espírito. É independente e autônomo sempre que sua vontade o exigir, mas de quem os demais dependem absolutamente. Como ele é único, pode encher os demais de favores e concessões.
Mesmo quando algo vai mal, o narcisista não pode se dar por vencido, a situação ruim torna-o objeto de sacrifício, ele considera-se um instrumento de Deus. Por se tratar de uma criatura tão especial, o narcisista está sempre pronto a renunciar a alguma satisfação. Aliás, onde houver necessidade de renunciar a uma satisfação, lá estará o narcisista. Seu objetivo é ser puro e assim, renuncia ou empobrece seu relacionamento com o mundo. Ele renuncia a tudo, ao prazer e ao desprazer, pois ele, segundo suas convicções, está além disso. Como no mito de Narciso, é insuportável a idéia de que o mundo real não tenha equivalência com o mundo interno que ele idealiza. Tudo fora é imperfeito, agressivo, feio e absurdo. Então, nada de fora é aceito, sequer considerado.
O narcisista é aquele tipo de pessoa a quem se dá amor de forma irrestrita, mas ele nunca se sacia e acaba sempre por dar a impressão de que não se tem amor para dar ou não sabe-se dar amor. Em outros aspectos da vida, eles se comportam de forma semelhante. Tudo o que se faz está mal feito e eles sempre podem fazer melhor. Fica-se com aquela sensação desagradável de ser um idiota crônico, quando se convive com um narcisista.
O ponto fraco do narcisista é o corpo. Este vai trazê-lo sempre de volta à realidade e conseqüentemente destruir as fantasias de divindade. O narcisista tem temor ao corpo, aos cheiros dele e aos excrementos, justamente porque estes refletem sua condição animal. O corpo é a sina do animal. Ele remete à humanidade na medida em que oferece experiências de prazer e dor. O prazer o faz dependente porque conta que precisa-se do outro para obté-lo. O narcisista recusa-se a tudo, inclusive ao amor. Só quer ser idolatrado e admirado.
Na verdade o narcisista é um indivíduo que, por algum motivo, durante sua vida infantil, foi traumatizado no relacionamento com os pais. Não suportou a dor do trauma. Recusando-se, criou na sua mente um mundo idealizado, onde tudo é belo, colorido e perfeito (estado de entorpecimento, torpor). É um bebê num corpo adulto. E como tal quer parecer-se com os pais idealizados ou seja, aqueles pais maravilhosos que não têm dificuldades, sensações, ou problemas (ele ama um amor impossível). Como o Narciso do mito, não se alimenta. Isso significa que não pode receber nada que venha de fora. Está trancado numa carapaça rígida e forte.
O narcisista tem uma péssima impressão a seu respeito mas, esta idéia, está longe da consciência. Isso implica dizer que na realidade, os pais foram maus, falharam com ele. E ele acredita que foi impotente para conseguir fazer-se amar. Sente vergonha de não ser o que pretendia ser. Ou seja, seu estado narcísico é uma defesa contra sua dor primeira. É por isso que o narcisista não suporta ser contrariado e nem aceita que lhe digam que tem defeitos. O defeito está sempre nos outros todos, mas nunca nele. Como todo ditador que se preze, o narcisista é alguém que precisa de público, daqueles que o admirem de forma incondicional e irrestrita. É um dependente.





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