quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Fronteiras do Pensamento


“Os jovens hoje pedem que ouçam as suas vozes, que considerem as questões que os afetam e que lhes seja reconhecido o seu papel. Ao invés de serem considerados um objetivo nas políticas de busca de emprego, eles querem ser aceitos como parceiros no desenvolvimento, contribuir para definir um rumo comum e criar um futuro para todos”.

Segundo Bercovich (Indicadores sociais: uma análise da década de 1980, 1995, p. 46), o grupo de jovens brasileiros - homens e mulheres - tem apresentado características peculiares quanto ao seu crescimento demográfico nas últimas décadas. Entre 1965 e 1980, este grupo cresceu significativamente em termos quantitativos em função das altas taxas de natalidade observadas em 40, 50 e 60. Verificou-se, do ponto de vista demográfico, a existência de períodos caracterizados por uma “onda jovem”. Bercovich (op.cit. 1995) chama atenção para as implicações deste fenômeno que traz à tona questões fundamentais em relação às necessidades de emprego, especialização educacional, cultura, lazer e comportamento, exigindo das esferas públicas a implantação de políticas sociais específicas.
Após mais de 500 anos de evolução histórica, o Brasil ainda não foi capaz de gerar um modelo de desenvolvimento, um projeto de nação, que tenha como compromisso básico a conciliação entre transformação produtiva e equidade social. Do ciclo do pau-brasil até os dias de hoje, em que temos a única indústria aeroespacial do hemisfério sul - passando pela cana-de-açúcar, pelo ouro, pelo couro, pelo algodão, pelo café, pela borracha, pela substituição de importações industriais e pelo moderno agronegócio - nenhum de nossos avanços econômicos teve como resultado a inclusão das camadas marginalizadas da população em patamares mínimos de bem-estar e dignidade. O resultado disto foi que um enorme contingente de famílias e comunidades vivem hoje apartados do acesso pleno aos direitos básicos da cidadania em termos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais. Imersa na pobreza, na ignorância e na brutalidade, grande parte da nossa juventude habita um universo reduzido e espesso, onde sobram os riscos de todo tipo e faltam as oportunidades mais básicas. Impedidos de olhar com esperança para o futuro, suas vidas se degradam em termos pessoais e sociais. E o fruto disto - como todos sabemos muito bem - é a violência.
Toda idéia de juventude é que a morte está longe. A vida humana é como se fosse uma vida de uma planta: nasce, cresce, desenvolve e morre. É o ciclo da vida. O que acontece é que a juventude, dos nossos dias, convive com a morte de seus pares. São seus irmãos, seus primos, seus vizinhos que morrem, na maioria das vezes, por armas de fogo ou acidentes de trânsito. Quando a gente soma, em especial no Brasil, uma história de desigualdades sociais e de exclusão com uma realidade mundial de mudanças de relações de produção e de exclusão de grupos sociais, a juventude torna-se o segmento mais atingido. É por isso que a juventude aparece, atualmente, como um ator social, enfrentando diversos desafios da sociedade contemporânea. A grande questão é que o jovem dos dias atuais tem medo de sobrar. A sua inserção produtiva não está garantida. Vocês poderão dizer que sempre foi assim. Sempre existiu o jovem pobre e o jovem rico, o jovem incluído e o excluído. Sim, isto é verdade. Mas acontece que tínhamos um sistema de produção que garantia uma reprodução: o filho do camponês continuaria o trabalho do pai, da mesma forma que o filho do operário. Era injusto porque o jovem não tinha possibilidade de ascender socialmente, mas havia a possibilidade de pensar o futuro a partir de um lugar social. Aqueles que estudavam e que passavam no funil tinham a garantia que poderiam exercer a sua profissão ao final dos estudos.
Com a mudança do mundo do trabalho, cada vez mais restritivo e mutante, os jovens foram e são atingidos. Todos os jovens passaram a ter medo do futuro. Neste cenário, temos que ver todas as diferentes juventudes e suas questões sociais e raciais, suas questões de gênero e opções/ orientações sexuais. Os mais vulneráveis têm mais medo de sobrar e são os mais atingidos. Estamos diante de uma geração que é atingida na possibilidade de pensar o futuro a partir de mudanças estruturais da sociedade. Temos, portanto, marcos geracionais que dizem respeito à inserção produtiva e ao fato de poder projetar sua própria vida. Esses marcos exigem políticas públicas.
Diante disto, entendemos que o caminho da superação dos nossos atuais impasses e dificuldades passa pela adoção de "um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais nos níveis da União, dos estados e dos municípios voltados para a viabilização da juventude popular urbana em todo país." (Novaes, 2006).
Como transitar de Dom Pedrito que temos para a Dom Pedrito que queremos? Como empreender esta grande, impostergável e urgente travessia? O caminho entende-se, passa pela construção de uma política de conjunto, para o desenvolvimento pessoal, social e produtivo de nossa juventude. Não mais uma política setorial e fragmentada, como as que praticamos até aqui. Mas um conjunto articulado de ações, que, tendo o jovem como destinatário último dos esforços do Estado e da sociedade, faça convergir para ele de forma intercomplementar e sinérgica o melhor dos esforços de cada agente envolvido nesse processo, requerendo, conforme nos fala Regina Novaes:
1. Uma política de desenvolvimento humano, que tenha como seu eixo estruturador a educação básica e profissional, fazendo da ampliação e qualificação do Ensino Médio e seu primeiro e maior desafio.
2. Uma política de saúde de corte altamente educativo, que seja capaz de gerar uma cultura de cuidado e de autocuidado para com e entre os jovens, de modo a promover seu acesso a serviços de orientação e apoio e, acima de tudo, prepará-los para a adoção de bons critérios para avaliar e decidir, quando expostos a situações de risco: sexo inseguro, drogas, violência contra si mesmos e os outros, acidentes de trânsito, trabalho, irregular, abusivo explorador, violação sexual, atos infracionais e tantos outros.
3. Uma política de tempo livre, que incentive adolescentes e jovens ao uso criativo, construtivo e solidário de seu tempo disponível em atividades que desenvolvam seu protagonismo, despertem neles valores positivos e elevem seu senso estético e a percepção do sentido ético de suas ações nos campos do esporte, da arte, da comunicação, do voluntariado social, da defesa do meio-ambiente e da reflexão e debate de questões relativas ao seu universo de necessidades e de interesse.
4. Uma política de geração de oportunidades de emprego, trabalho e renda, baseada numa nova cultura da trabalhabilidade, ou seja, uma maneira de ver, entender, agir e interagir com o mundo do trabalho, que tenha em conta os impactos sobre esta esfera da vida de dinamismos como a globalização dos mercados, o advento da era pós-industrial (novas tecnologias) e as novas formas de organização do processo produtivo.
Assim como, no passado recente, fomos capazes de combater a paralisia infantil, cumpre-nos, neste início de um novo século e de um novo milênio, combater a paralisia juvenil. Isto passa pela adoção das medidas aqui elencadas, assumindo em relação a elas compromissos de médio e longo prazo, buscando atuação coesa das políticas públicas, do mundo empresarial e do terceiro setor em torno da consecução destes objetivos e finalmente mantendo constância de propósito em face das adversidades, que inevitavelmente haverão de surgir na caminhada rumo ao seu pleno fim.
Para isso, segundo Regina Novaes, “mais do que tentar inventar a roda, devemos recorrer ao imenso patrimônio de idéias e experiências concretas desenvolvidas neste país nas últimas décadas tanto no campo das políticas públicas, como, principalmente, no campo da solidariedade social”.
Nosso grande desafio será aprender com tudo que vem sendo feito de bom e ruim aqui. Deveremos extrair o princípio ativo dos programas e ações que deram certo, utilizando - os em outros contextos para gerar novas iniciativas e melhorar iniciativas existentes. Alternativas existem e estão disponíveis a quem tiver visão para percebê-las, coração para senti-las e inteligência para aproveitá-las na construção de um hoje melhor para nossos jovens e de um amanhã melhor para Dom Pedrito, para o Brasil e para o mundo.

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