
A maioria dos cativos que combateu nesta guerra
foi obrigada a fazê-lo diante das condições impostas. Por outro lado, apesar da
guerra ser horrível e violenta, era até preferível a vida militar, com seus
esporádicos combates, do que as agruras diárias da escravidão. A promessa de
liberdade após o fim da luta certamente pode ter influenciado em muito o
recrutamento daqueles homens. Uma promessa, aliás e como veremos, jamais
cumprida.
Não havia igualdade nas tropas farroupilhas,
muito menos democracia racial. Negros e brancos marchavam, comiam, dormiam,
lutavam e morriam separadamente. Os oficiais dos combatentes negros eram
brancos, e jamais um negro chegou a um posto significante, mesmo que
intermediário, de comando. Aos Lanceiros Negros era vedado o uso de espadas e
armas de fogo de grande porte. Não lutavam a cavalo, como costumam mostrar nos
filmes e mini-séries de TV, mas sim a pé, pois havia o risco de se rebelar ou
fugir. Sua arma principal era a grande lança de madeira que lhes deu nome e
fama, algumas facas, facões, pequenas garruchas, os pés descalços, a bravura e o
anseio pela liberdade prometida.
Seria anacronismo se quiséssemos que líderes
farroupilhas tivessem um comportamento ou posições políticas avançadas e assim
diferentes das existentes em seu tempo, mas defesa da Abolição da escravidão era
bem conhecida e nada alienígena na época. Uma Abolição começou a ser decretada
em Portugal em 1767, proibindo que fossem enviados para o reino mais cativos
vindos da África, e em 1773 foi decretada uma Lei do Ventre Livre naquele país.
Na Dinamarca, isso se deu em 1792. Na França, em 1794 (ainda que Napoleão tenha
tentado restabelecer a escravidão no Haiti em 1802). No México, uma primeira
tentativa de Abolição foi feita em 1810, mas foi finalmente vitoriosa em 1829.
Bolívar libertou cativos em 1816-7, durante suas lutas por independência, e
finalmente aboliu a escravatura em 1821. A Inglaterra, que havia findado a
escravidão pouco antes da Revolta dos Farrapos, pressionava o Brasil pelo fim do
tráfico negreiro desde 1808. Willian Wilbeforce, um dos maiores abolicionistas
da história, morreu em 1833, ou seja, dois anos antes da guerra no Sul do
Brasil. Farrapos, portanto, conheciam, sim, e muito bem o
abolicionismo.
Entretanto,os principais chefes farrapos, Bento
Gonçalves, Canabarro, Gomes Jardim e até Netto, dentre outros, eram todos
ferrenhos escravistas. Quando aprisionado e enviado para a Corte no Rio de
Janeiro, Bento Gonçalves teve o direito de levar consigo um de seus cativos para
lhe servir. Ao morrer, o mais conhecido líder farroupilha deixou terras, gado e
quase cinqüenta trabalhadores escravizados de herança aos seus familiares. Bem
diferente do que fizera Artigas no Uruguai anos antes, os farrapos jamais
propuseram uma reforma agrária ou mesmo uma distribuição de terras entre seus
soldados, mesmo os brancos pobres, que dirá os negros. A defesa da escravidão
era tão clara entre os chefes farrapos a ponto deles jamais sequer terem
mencionado o fim do tráfico negreiro.
Ao fim da guerra e já quase totalmente
derrotados, os farrapos incluíram entre suas exigências para o Império o
cumprimento da promessa de liberdade que haviam feitos aos Lanceiros
(principalmente porque temiam que eles formassem uma guerrilha negra na
província já que a quebra da promessa os faria se rebelar ou fugir para o
Uruguai, destino comum de diversos cativos fugitivos na época). Queriam
entregar-se ao Império, acabar a guerra, voltar à normalidade, mas tinham os
Lanceiros e a promessa que lhes haviam feito, e o Império, escravista até a
medula, não queria cumprir essa parte do acordo.
Que fazer então? A questão foi resolvida na
madrugada de 14 de novembro de 1844, quando o general farrapo David Canabarro
entregou seus Lanceiros desarmados ao inimigo, tudo previamente combinado com
Caxias. E no serro de Porongos, hoje região de Pinheiro Machado (interior do Rio
Grande do Sul), foi dizimada quase toda a infantaria negra, enterrando de vez a
preocupação dos farrapos e acelerando assim a paz com o Império. A instrução de
Caxias a um de seus comandados foi clara e objetiva: a batalha teria que ser
conduzida de forma tal que poupar apenas e dentro do possível o sangue de
brasileiros (e o negro era então tratado como africano, mesmo que já nascido no
Brasil).
Alguns historiadores apologistas ou
folcloristas de CTGs consideraram aquela traição como Surpresa, já que pela
primeira vez que o então vigilante Davi Canabarro teria sido surpreendido pelo
inimigo. Conversa fiada! Enquanto dispôs suas tropas negras de tal maneira que
ficassem desarmadas e descobertas, algo que até então nunca havia feito,
Canabarro se encontrava bem longe e seguro do local, nos braços de Papagaia,
alcunha de uma amante sua.
Após o combate, um relato oficial avisou a
Caxias que pelo menos 80% dos corpos caídos no campo de Porongos eram de homens
negros. Calcula-se que, nos últimos anos daquela conflito, os farrapos ao todo
somavam uns cinco mil homens, sendo que algo em torno de mil eram Lanceiros
Negros. Após o Massacre de Porongos, porém, restaram apenas uns 120 deles,
feridos, alguns mutilados, e que foram primeiramente enviados para uma prisão no
centro do país e depois dispersados para outras províncias, ainda mantidos como
cativos.
Feito isso, deu-se a chamada rendição e paz do Poncho Verde, onde senhores escravistas dos dois lados trocaram abraços e promessas de lealdade e, logo depois, marcharam juntos e sob a mesma bandeira imperial contra o Uruguai, Argentina e Paraguai.
Bibliografia
Feito isso, deu-se a chamada rendição e paz do Poncho Verde, onde senhores escravistas dos dois lados trocaram abraços e promessas de lealdade e, logo depois, marcharam juntos e sob a mesma bandeira imperial contra o Uruguai, Argentina e Paraguai.
Bibliografia
FACHEL, José Plínio Guimarães. Revolução
Farroupilha. Pelotas: EGUFPEL, 2002.
FERREIRA, Hemerson. Da Revolta à Semana
Farroupilha: entre tradição e a história.
http://prod.midiaindependente.org/en/blue/2009/08/451359.shtml

FLORES, Moacyr & FLORES, Hilda Agnes.
Rio Grande do Sul: aspectos da Revolução de 1893. Porto Alegre:
Martins-Livreiro, 1993.
GOLIN, Tau. Bento Gonçalves, o herói
ladrão. Santa Maria: LGR, 1983.
LEITMAN, Spencer. Raízes sócioeconómicas da
Guerra dos Farrapos: um capítulo da história do Brasil no século XIX. Rio de
Janeiro: Graal, 1979.
MAESTRI, Mário. "O negro escravizado e a
Revolução Farroupilha". In: O escravo gaúcho: resistência e trabalho.
Porto Alegre: UFRGS, 1993, pp76-82.
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